* * *
Não me refiro, é claro, só à influência do pensamento das esferas da alta intelectualidade. Enganam-se os observadores superficiais que julgam que o mundo de hoje escapou ao domínio dos pensadores profundos, porque os in-folios destes se cobrem por vezes de poeira, ignorados e obscuros, nas prateleiras de certas bibliotecas. A glória do intelectual é que ele domina até quando parece não dominar. Obedecem-lhe os que nunca o leram, e talvez nem sequer lhe tenham ouvido o nome. Na opinião daquele varredor de rua ou na concepção de vida daquela modesta lavadeira, pode haver, obscuras, ignoradas, influências de São Tomás ou de Hegel, que nem por isso são menos ativas e importantes.
É que as idéias passam das altas paragens da vida intelectual para a massa da sociedade, não só pela aula ou pelo livro, mas por uma osmose multiforme e obscura, em que está sua maior capacidade de expansão. Elas filtram da Filosofia ou da Teologia para as outras ciências, invadem muito de manso o terreno das artes, fornecem à grande feira de idéias, que é a imprensa, a matéria-prima para o varejo quotidiano, propagam-se pelos resumos, pelas repetições e pelo plágio, e, assim repetidas de mil modos, correm cidades e campos, transpõem montes e mares, espreitam o momento mais oportuno para tomar de assalto as mentalidades, e acabam dirigindo o modo de sentir e de agir, de viver, de trabalhar, de descansar e até de morrer de milhares de seres, com uma precisão e uma segurança que o decreto policial mais tirânico jamais lograria alcançar.
Paul Bourget escreveu que toda a vida, mesmo mais apagada e trivial, é uma metafísica em ação. Não espanta pois, que o verdadeiro governo do mundo pertença aos apóstolos da metafísica e da mística, ou aos fabricantes de místicas e metafísicas. Diga-se o que se disser, o mundo há de ser governado por uns ou por outros.
* * *
Não espanta, pois, que vejamos a sede do verdadeiro governo do mundo, não nas assembléias legislativas ou diplomáticas ruidosas e inúteis, de que tanto se ocupa a imprensa, mas nas universidades onde silenciosamente se elabora o futuro das almas e das nações.
Durante muito tempo, o Brasil viveu sem verdadeira harmonia entre a cultura superior e o Catolicismo: o resultado é que tudo quanto em um país é obra de alto estudo, se fez entre nós sem a Igreja ou contra ela: as leis, a literatura, a arte, o curso geral do pensamento.
Fonte: "O Cardeal Cerejeira e a Universidade Católica", Legionário, nº 734, 1.09.1946
Nenhum comentário:
Postar um comentário