Sou tomista convicto. O aspecto da Filosofia pelo qual mais me interesso é a Filosofia da História. Em função deste encontro o ponto de junção entre os dois gêneros de atividade em que me venho dividindo ao longo de minha vida: o estudo e a ação. O ensaio em que condenso o essencial de meu pensamento explica o sentido de minha atuação ideológica. Trata-se do livro Revolução e Contra-Revolução.

17 de julho de 2015

O aquário, a insensibilidade e o imediatismo dos "peixes" hodiernos

Visitando certa vez um aquário, no qual cada peixe ocupava um compartimento próprio, chamou-me a atenção a sensibilidade de alguns deles a tudo quanto encontrassem na sua incessante e ociosa caminhada dentro do respectivo espaço líquido: o contato com qualquer pontinho de vegetação, com qualquer pedacinho de arame e até com qualquer bolha de ar repercutia desde logo na escolha do rumo, e na conseqüente movimentação do corpo do animal.

Veio-me então a curiosidade de saber como essa sensibilidade reagiria com relação ao que acontecesse para além da placa de vidro, que ocupava toda uma das paredes do aquário, e facultava aos visitantes a observação dos peixes. Oh desilusão! Estes últimos chegavam literalmente a encostar a boca – e quase o mesmo se diria, também, do olho – na placa de vidro. Mas tudo quanto se passasse para além dessa deixava o peixe insensível: mão encostada no vidro, gesticulação com os dedos, percussão na chapa, nada disso lhe causava a menor sensação. O mundo podia ruir fora do aquário sem que o peixe desse importância ao fato, desde que dentro do seu pequeno mundo líquido nada sucedesse.

Penso nesses peixes quando considero a atitude de alguns de meus contemporâneos – e não poucos – ao receberem, pela televisão, pelo rádio ou pela imprensa, notícias e comentários sobre o mundo hodierno. Com crescente freqüência, tratam eles de catástrofes individuais, locais, ou mesmo nacionais. Por vezes vem à baila a destruição do mundo pela hecatombe nuclear. A pessoa atingida por essas notícias se mantém indiferente, desde que de imediato elas não acarretem repercussões no alvéolo da vidinha particular de cada qual.

Sintomas de corrupção espantosos, contradições aberrantes, vertiginosos indícios de desequilíbrio psíquico de grupos sociais inteiros, nada disto importa, desde que a vidinha de cada qual continue inalterada por mais alguns dias. Ou melhor, por mais algumas horas.

Essa atitude me desconcerta. E assim como me vinha, ante o aquário, a vontade, felizmente dominada, de praticar um orifício no vidro, meter através dele meu dedo indicador, e tocar no peixe para lhe fazer sentir ao vivo a realidade desse mundo externo em que eu estava, e que ele, com tão ininteligente desdém, ignorava, assim também tenho a vontade de furar não sei que "vidros" atrás dos quais vivem indiferentes ao mundo externo, e encaixados exclusivamente em seu mundo específico, alguns "peixes" do mundo hodierno.

Fonte: "Provas... ora, as provas", Folha de S. Paulo, 30.09.1982

5 de julho de 2015

O erro dos católicos que deformam as palavras do Divino Mestre perante Pilatos

"Não queremos que Ele reine sobre nós!" "Não temos outro rei senão César!" Eis os termos pelos quais os judeus repudiaram a Realeza de Nosso Divino Salvador. E eis os termos segundo os quais ainda hoje se desenrola a luta: "O inimigo é o paganismo da vida moderna, as armas são a propaganda e o esclarecimento dos documentos pontifícios. O tempo da batalha é o momento atual. O campo de batalha é a oposição entre a razão e a sensualidade, entre os caprichos idolátricos da fantasia e a verdadeira revelação de Deus, entre Nero e Pedro, entre Cristo e Pilatos. A luta não é nova; é novo, somente, o tempo em que ela se desenrola" (Cardeal Pacelli em discurso ao Congresso dos Jornalistas Católicos).

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Mas não são inimigos da realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo somente os que se confessam frontalmente contrários ao Seu plano de Redenção. Fazem coro veladamente com essas vozes ímpias e renegadas, aqueles próprios católicos que deformam as palavras do Divino Mestre perante Pilatos, quando declarou que Seu Reino não é deste mundo ( Jo. 18, 36 ), emprestando-lhes sentido restritivo, como se essa realeza fosse uma realeza exclusivamente espiritual, realeza sobre as almas, e não uma realeza social sobre os povos, sobre as nações, sobre os governos.

Quando Nosso Senhor diz que Seu Reino não é deste mundo, esclarece o Cardeal Pie, é para significar que não provém deste mundo, porque vem do céu, porque não pode ser arrebatado por nenhum poder humano. Não é um reino como os da terra, limitado, sujeito às vicissitudes das coisas deste mundo. Por outras palavras, a expressão "deste mundo" se prende à origem da Realeza Divina e não significa de maneira alguma que Jesus Cristo recuse à Sua Soberania um caráter de reino social. De outro modo, se não passasse da órbita estritamente espiritual ou da vida interna das almas, haveria flagrante contradição entre essa declaração de Nosso Senhor e, entre outras, aquela em que Ele diz claramente que "todo poder me foi dado no céu e na terra" ( Mat. 28, 18 ).

Fonte: "O direito moderno e a realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo", Catolicismo nº 22, Outubro de 1952