Sou tomista convicto. O aspecto da Filosofia pelo qual mais me interesso é a Filosofia da História. Em função deste encontro o ponto de junção entre os dois gêneros de atividade em que me venho dividindo ao longo de minha vida: o estudo e a ação. O ensaio em que condenso o essencial de meu pensamento explica o sentido de minha atuação ideológica. Trata-se do livro Revolução e Contra-Revolução.

23 de agosto de 2015

Democracia-com-idéias no Brasil-Império e no Brasil-República

[Há mais de 125 anos se deu] a proclamação da República em nosso País. Manda porém a verdade que se reconheça não ter o regime republicano, nestes [mais de] cem anos de vigência, conseguido formar, nas camadas profundas do País, um conjunto de hábitos intelectuais e morais, bem como de instituições partidárias, culturais, e outras, que criassem entre nós um ambiente cívico-político denso de cogitações patrióticas, quer filosóficas, religiosas e culturais, como também políticas, econômicas, sócio-políticas e sócio-econômicas, voltadas para os grandes problemas do mundo contemporâneo, bem como para as realidades concretas do País.

Cumpre confessar – sem qualquer eiva de partidarismo – que o ambiente político do Brasil-Império apresentava, a esse respeito, maior riqueza de conteúdo intelectual. Questões como a libertação dos escravos, ou a alternativa monarquia-república, interessavam muito mais ao quadro eleitoral, nos dias remotos do Brasil-Império, do que a Reforma Agrária, a Urbana e a Empresarial vão interessando a massa da população nas grandes cidades do País.

O Brasil-Império foi muito mais autenticamente uma democracia-com-idéias, do que o é, ao cabo de [mais de] cem anos, o Brasil-República.

Daí decorre que, sendo hoje tão desinformada e amorfa a opinião pública de vastíssimos setores da população, os grandes órgãos do macrocapitalismo publicitário tenham receio de não atrair a atenção pública, empenhando-se por conferir ao debate pré-eleitoral uma elevação de ideias e uma profunda objetividade de informações que, em rigor, os exporiam ao risco de parecerem monótonos para grande parte dos leitores, rádio-ouvintes e telespectadores na democracia-sem idéias.

Por sua vez, nas últimas eleições, os candidatos eram representativos, em grande parte, das mass-sem-idéias. E em geral não haviam se destacado, em suas atividades cívicas ou políticas anteriores, por qualquer pronunciamento em que as idéias ou os fatos de interesse público, analisados a fundo, desempenhassem papel de relevo.

Esse gênero de candidatos, aliás, não causa estranheza nas fileiras de nossos tão numerosos políticos-profissionais.

Não dispondo de tempo suficiente para estudar e refletir, o político-profissional se vê coagido a evitar quanto possível pronunciamentos que o comprometam com grandes e complexos temas, como por exemplo as três aludidas Reformas, Agrária, Urbana e Empresarial. Temas esses que ele sabe conhece insuficientemente. E acerca dos quais ignora que efeito produziria seu pronunciamento, sobre uma opinião urbana ou rural tão alheia ao conteúdo de qualquer dessas Reformas, e aos critérios segundo os quais elas devem ser encaradas.

Fonte: Projeto de Constituição angustia o País, 1987, pp. 25-26

4 de agosto de 2015

O Nazismo, o Comunismo e os católicos transviados pela confusão

Em 1918 o sopro de espírito revolucionário varreu a Europa com singular violência. Deu-se o imenso estrondo do desabamento do czarismo, e se implantou o comunismo na Rússia. Toda a vida intelectual e social se secionou ainda mais do passado. No ocidente, a hegemonia começou a se deslocar cada vez mais, da Europa tradicional para os Estados Unidos niveladores.

Em meio de todo esse desabamento, que evidenciava cada vez mais o próximo término da civilização cristã como tal, uma salutar reação se produziu. Muitos espíritos percebiam por fim para que abismos caminhava o mundo, e quais os guias que o levavam para o abismo. Como escreveu Pio XI, um sopro universal do Espírito Santo orientava para a igreja os espíritos transviados. Em plena hecatombe da civilização cristã, a Igreja de Deus começava a florir novamente, produzindo rebentos que atestavam iniludivelmente sua eterna pujança. O movimento católico se organizava por toda a Europa. Eram legiões os moços que, desgostosos do curso das coisas, abriam os olhos para a Verdade Revelada, e almejavam de todo coração o triunfo da civilização cristã. As obras sociais católicas, a imprensa católica, o rádio católico, a ação política dos católicos triunfavam por toda parte. Assim, na Alemanha, na Áustria, na Espanha, na Itália, na França, no Brasil, na Holanda, na Bélgica, os êxitos eleitorais dos católicos eram cada vez mais estrondosos. E quanto mais crescia o perigo comunista, tanto mais se acendia o ardor da reação católica. A certas almas, Deus atrai ao Céu fazendo—lhes ver o inferno. Foi desta terapêutica que Ele se serviu com o mundo ocidental, permitindo que se lhe patenteasse em toda a hediondez a figura dos tormentos em que o comunismo mantinha a Rússia, o México e mais tarde a Espanha. Não há tormento maior do que esse de um povo a que se arranco dia a dia uma tradição, um hábito, um símbolo. É um esquartejamento terrível da alma, a que estavam expostos a pouco e pouco todos os povos cristãos.

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Sempre que o demônio está na iminência de perder uma partida, sua grande arma é a confusão. Utilizou-a ainda desta vez. A História talvez diga, algum dia, em que antros o plano tenebroso se forjou. Mas o fato é que para atender aos anseios das massas sedentas de civilização cristã, apareceu na Alemanha um partido, logo copiado em outros lugares, que se propunha a implantar um novo mundo cristão. À primeira vista, nada mais simpático do que o nazismo, movimento místico-heróico, propugnador das tradições da Alemanha cristã e medieval, contra a dissolução demagógica e corruptora da propaganda bolchevista.

Os termos meramente negativos da doutrina nacional-socialista correspondiam em vários pontos ao que sentia de mais vivo a consciência cristã, indignada com o enfraquecimento do princípio de autoridade, da ordem, da moral e do direito.

Mas se se atentasse para o lado positivo dessa ideologia, lado que só aos poucos a maquiavélica propaganda parda revelava aos “iniciados”, que terrível decepção! Ideologia confusa, impregnada de evolucionismo e materialismo histórico, saturada de influências filosóficas e teológicas pagãs, programa político e econômico radical e caracteristicamente socialista, intoleráveis preconceitos racistas. Em uma palavra, por detrás dos bramidos anticomunistas do nazismo, era o próprio comunismo que se pretendia instaurar. Um comunismo ardiloso, de máscara cristã. Um comunismo mil vezes pior, porque mobilizava contra a Igreja as armas satânicas da astúcia, em lugar das armas impotentes da força bruta. Um comunismo que começava por empolgar os espíritos por algumas verdades, punha-os em delírio sob pretexto de entusiasmo por essas verdades, e os atirava em seguida aos erros mais terríveis. Um comunismo, portanto, que significava, não a obliteração dos maus, mas dos bons, a mais terrível máquina de perdição e de mistificação que o demônio tenha engendrado ao longo da História.

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Tal é o peso da verdade, tão duro é o fardo do bem, que infelizmente muitos espíritos, embora sinceramente católicos, se deixaram transviar pela manobra. Não tinham aquela fome e sede de justiça, que é a raiz da santa intransigência. Não tinham aquele apetite de Catolicismo pleno, que os faria rejeitar como elemento impuro qualquer liga com os fermentos do século. As coisas muito acentuadamente católicas, declaradamente católicas, exclusivamente católicas, lhes pesavam como o sol fere a vista das aves noturnas. Preferiam as formas pálidas, diluídas, indiretas, de irradiação católica, como os mochos preferem a luz da lua. E se entregaram de corpo e alma a essas tendências de caráter nitidamente anticatólico. Na Itália, como na Alemanha, como em outros lugares, uma coorte de ingênuos, de desavisados, de pessoas entretanto bem intencionadas, se deixou embair e arrastar de roldão com facínoras e aventureiros de toda sorte. E só Deus sabe com que furor, com que iracúndia, com que abundância de ameaças se atiravam contra os irmãos de crença que se permitiam o luxo de ser mais penetrantes, mais perspicazes, mais enérgicos na defesa da Fé.

Fonte: "A grande experiência de dez anos de luta", Catolicismo nº 173, maio de 1965