Sou tomista convicto. O aspecto da Filosofia pelo qual mais me interesso é a Filosofia da História. Em função deste encontro o ponto de junção entre os dois gêneros de atividade em que me venho dividindo ao longo de minha vida: o estudo e a ação. O ensaio em que condenso o essencial de meu pensamento explica o sentido de minha atuação ideológica. Trata-se do livro Revolução e Contra-Revolução.

30 de abril de 2015

"Moderno": um conceito viscoso

A palavra "moderno" é viscosa. De um lado, tem ela um sentido bom. Assim, quando se fala da astronomia moderna, indica-se o acervo dos conhecimentos do passado acrescidos e retificados pelo imenso tesouro de aquisições devidos à investigação contemporânea. Todo este cabedal resulta do impulso vindo das gerações anteriores, o qual nos trouxe ao ápice presente, e com nosso esforço ruma para ápices sempre mais altos. Uma tal modernidade só pode ser bem vista pela Igreja. E, nesta perspectiva, a atualização de alguns tantos aspectos secundários e contingentes da vida da Igreja pode ser um bem.

Mas a palavra "moderno" tem também outro sentido, e este é péssimo. Segundo tal sentido, a moça de mini-saia é mais moderna que a de saia de comprimento normal. A seminua seria mais moderna que a de mini-saia, e assim por diante. Em arte, quanto mais extravagante, tanto mais "moderno". Noutra ordem de idéias, o socialista "moderado" se considera moderno em face do anti-socialista. O socialista de extrema esquerda se gaba de moderno diante do "moderado", e o comunista se considera arqui-moderno, isto é, despreza como fósseis os socialistas de todas as gamas anteriores. E assim poderíamos multiplicar os exemplos.

Em última análise, "moderno" é, neste sentido, algo cuja plenitude, cujo nec plus ultra está no delírio e no comunismo. Assim, se a Igreja deve ajustar-se a este segundo sentido de modernidade, Ela renuncia implicitamente a ser Ela mesma.

Bramindo por um ambígua modernização, propondo de cambulhada coisas excelentes, coisas discutíveis e coisas péssimas, e fazendo em geral das excelentes e das discutíveis pretexto para as péssimas, esse espírito de falsa modernidade começou a se manifestar em alguns movimentos de si excelentes.

Fonte: "Como ruiu a pirâmide de Quéops?", Folha S. Paulo, 8.02.1969

9 de abril de 2015

Elementos essenciais da Revolução: impulso a serviço de uma ideologia e carácter multitudinário

Na Revolução cumpre distinguir inicialmente dois elementos:

Ela é uma ideologia; esta ideologia tem ao seu serviço um impulso. Tanto na sua ideologia, como no seu impulso, a Revolução é radical e totalitária.

Como ideologia, este totalitarismo radical consiste em levar às últimas consequências todos os princípios constitutivos da sua doutrina.

Como impulso, ele tende invariavelmente para a transposição dos princípios revolucionários aos factos, costumes, instituições, nos quais os respectivos elementos ideológicos estão por sua vez cabalmente aplicados à realidade concreta.

O termo final do impulso revolucionário pode definir-se nestas palavras: alcançar tudo, já e para sempre.

O facto de um dos elementos essenciais da Revolução ser um impulso, não quer dizer que ela deva ser entendida como algo de impulsivo no sentido vulgar do termo. Ou seja, como algo de irreflectido, movido por sofreguidões e intemperanças.

Pelo contrário, o revolucionário modelo conhece bem que ele encontra diante de si frequentes obstáculos, os quais não lhe é possível remover por meras acções de força. Ele sabe que lhe toca muitas vezes contemporizar, ser flexível, recuar e até fazer concessões, sob pena de sofrer da parte do adversário derrotas humilhantes e altamente nocivas. Mas isto não impede que todas essas marchas-à-ré, ele só as faça para evitar para si males maiores. Logo que as circunstâncias lho permitam, o revolucionário retomará obstinadamente a sua marcha para a frente com a maior celeridade possível, embora também com toda a lentidão necessária.

A totalidade e a radicalidade da Revolução também se fazem ver no facto de que esta tende a aplicar os seus princípios em todos os domínios do ser e do agir dos homens ou das sociedades. (...)

Mais um elemento da Revolução: o seu carácter multitudinário É a multidão, sim, a multidão incontável dos que – levados ora pela convicção, ora pelo mimetismo, ora enfim pelo temor de sofrer a crítica com que os metralharia com slogans implacáveis a zoeira dos revolucionários – promovem, ou simplesmente toleram a ofensiva impune e avassaladora da propaganda revolucionária, oral ou escrita.

Se a Revolução fosse simplesmente uma ideologia tendo a seu serviço o impulso, faltar-lhe-ia importância histórica. É o carácter multitudinário da Revolução o factor mais importante do seu êxito.

Fonte: Nobreza e elites tradicionais análogas, nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza Romana, pp. 227-228

2 de abril de 2015

Nesta época de terrível surdez espiritual, não endureçamos nossos corações

Quando foi preso, Nosso Senhor praticou duas ações aparentemente contraditórias, e é sobre esta contradição que queremos meditar.

A contradição se resume em poucas palavras. De um lado, falou tão alto, atordoou tanto os ouvidos, que os esbirros caíram por terra. De outro lado, abaixou-Se Ele mesmo até o chão, para tomar uma orelha, e a recolocar novamente no lugar. O Mesmo que aterroriza, consola. O Mesmo que fala com voz insuportável para os tímpanos, reintegra uma orelha cortada. Não há nisto, para nós, algum ensinamento?

Nosso Senhor é sempre infinitamente bom, e foi bom quando disse aos que O procuravam, que era Ele Jesus de Nazaré, a quem queriam, como foi bom quando consertou a orelha de Malco. Se queremos ser bons, devemos imitar a bondade de Nosso Senhor, e aprender com Ele, que há momentos em que é preciso saber prostrar por terra com santa energia os inimigos da Fé, como há ocasiões em que é preciso saber curar os próprios males daqueles que nos fazem mal.

Por que falou Nosso Senhor tão alto, quando respondeu "Ego Sum"? Só para atordoar fisicamente os que O prendiam? Mas para quê se Ele Se entregava voluntariamente à prisão? É que Ele falou ainda mais alto a seus corações, do que a seus ouvidos, e se lhes falou alto aos ouvidos, não foi senão para lhes falar ainda mais alto aos corações. Não sabemos qual foi o proveito que aqueles homens fizeram da graça que receberam. Mas certamente o temor que tiveram, quando tombaram à voz do Mestre, lhes foi salutar como foi salutar a Saulo, quando a mesma Voz lhe gritou "Saulo, Saulo, por que Me persegues?"

Nosso Senhor lhes falou alto aos ouvidos. Prostrou-os por terra. Mas sua voz que abatia corpos e ensurdecia ouvidos, erguia almas que estavam prostradas, e lhes abria os ouvidos dos espíritos, que estavam surdos.

Às vezes, pois, para curar é preciso gritar.

Com Malco, Nosso Senhor procedeu de outra maneira. Quando lhe restituiu a orelha cortada pela fogosidade de Pedro, Nosso Senhor certamente lhe queria fazer um bem temporal. Mas curando-lhe o ouvido, Nosso Senhor lhe quis sobretudo abrir o ouvido da alma. E Ele mesmo que a uns curara da surdez espiritual com o estrondejar divino da sua voz, Ele mesmo curou da mesma surdez espiritual a Malco, dizendo-lhe palavras de bondade, e restituindo-lhe a orelha que perdera.

Fonte: "A hora do beijo", Legionário, nº 659, 25.03.1945