a) Na guerra como na paz, o exemplo da perfeição
Dois princípios essenciais definiam a fisionomia do nobre:
1. Para ser o homem modelar posto no píncaro do feudo como a luz no lampadário, tinha ele de ser, por definição, um herói cristão disposto a todos os holocaustos a favor do bem do seu rei e do seu povo, e o braço temporal armado em defesa da Fé e da Cristandade, na guerra frequente contra pagãos e hereges.
2. Mas, pari passu, ele, como toda a sua família, tinha de dar em tudo o mais um bom exemplo – ou melhor, um exemplo óptimo – aos seus subordinados e aos seus pares. Na virtude, como na cultura, no trato social exímio, no fino bom gosto, na decoração do lar, nos festejos, o seu exemplo deveria impulsionar todo o corpo social a fim de que cada qual analogamente melhorasse em tudo.
b) O cavaleiro cristão – a dama cristã
Esses dois princípios tinham um alcance prático admirável, como em seguida se verá. Durante a Idade Média, foram eles aplicados com autenticidade de convicções e sentimentos religiosos. E assim se traçou na cultura europeia – e depois na de todo o Ocidente – a fisionomia de alma do cavaleiro cristão, da dama cristã. Cavaleiro ou cavalheiro e dama, dois conceitos que – ao longo dos séculos e sem embargo das sucessivas diluições de conteúdo infligidas pela progressiva laicização no Antigo Regime – designaram sempre a excelência do padrão humano. E continuam a designá-la, mesmo nos nossos dias, nos quais ambos os qualificativos têm-se tornado lamentavelmente obsoletos.
Fonte: Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana, p. 132
Sou tomista convicto. O aspecto da Filosofia pelo qual mais me interesso é a Filosofia da História. Em função deste encontro o ponto de junção entre os dois gêneros de atividade em que me venho dividindo ao longo de minha vida: o estudo e a ação. O ensaio em que condenso o essencial de meu pensamento explica o sentido de minha atuação ideológica. Trata-se do livro Revolução e Contra-Revolução.
27 de junho de 2014
2 de junho de 2014
Desacerto gravíssimo entre o Brasil constitucional e o Brasil real
Poucos – na esquerda e no centro – parecem ter atentado para o fato de uma importante
dualidade existente em todos os países ibero-americanos. A população do Brasil, como a dos
demais, se divide em duas camadas. Uma, que reluz na publicidade, e é constituída pelos setores
ricos, poderosos ou então cultos da população, é fortemente cosmopolitizada pelo contato com as
“últimas modas” indumentárias, ideológicas ou outras, sucessivamente lançadas nos grandes centros
mundiais. Esses grandes centros atuam à maneira de vulcões que ejetam assiduamente sobre o
mundo a lava de suas “últimas modas”. E, em nossos dias, para tudo há modas, numa porfia de
extravagância e também de arrojos esquerdizantes: desde as jóias, os trajes (talvez fosse mais exato
dizer “as nudezes”) até ... as teologias. Nesses setores, a tendência para a esquerda constitui
verdadeiramente fator de popularidade. E nos clubes mais ricos, como nos meios de comunicação
social de maior projeção, nas Universidades mais ilustres como em tantos Seminários e Noviciados,
é certo que os vanguardeiros da caminhada para a esquerda contam com possibilidades eleitorais
importantes.
Mas, abaixo dessa superfície reluzente, há um Brasil que é e quer continuar a ser autenticamente brasileiro, em legítima continuidade com seu passado, e cujos passos se orientam na linha dessa continuidade, para constituir um Brasil em ascensão, fiel a si próprio, e não o contrário daquele que ele foi e é.
Esse Brasil profundo, marcadamente majoritário, em quem a nova Constituição vai provocando susto e rejeição, tem pouca presença na publicidade. Em Brasília e nas grandes capitais de Estado, ele é sempre mais ignorado. Mas é ele o Brasil real. Como tudo quanto é humano, a esse Brasil não faltam, a par das qualidades, também defeitos. Ele é algum tanto introvertido, isto é, voltado sobre si mesmo. Marcam-no certa indolência e o hábito enraigado da rotina.
Mas daí vem que ele nem atente muito para o que se passa na superfície brilhante, que aflora nos grandes centros urbanos. Em conseqüência, o Brasil profundo deixa-os irem “tocando o barco” de nossa Federação.
À medida, porém, que o Brasil de superfície caminhe para a extrema-esquerda, irá se distanciando mais e mais do Brasil de profundidade. E este último irá despertando, em cada região, do velho letargo.
E de futuro os que atuarem na vida pública de nosso País terão de tomar isto em consideração. E, em vez de olharem tão preponderantemente para o Brasil cosmopolitizado que se agita, terão de olhar para o Brasil conservador que constitui parte da população dos grandes centros, e se patenteia mais numeroso à medida que a atenção do observador desce das grandes cidades para as médias, das médias para as pequenas, e destas últimas, já meio imersas no campo, para nossas populações especificamente rurais.
Objetar-se-á talvez que esta análise já não é inteiramente real nos dias de hoje, pois a televisão está levando o fascínio dos grandes centros até os últimos rincões do Brasil interiorano, ainda há pouco conservador. E assim os vai transformando.
A objeção tem algo de real. Mas esta impregnação progressista do hinterland brasileiro constitui fenômeno menos simples do que à primeira vista parece. Há sinais expressivos de que nas próprias macro-urbes a televisão, à força de se exibir, vai desgastando seu poder de sugestão e, à força de se requintar na pornografia e na estridência de todas as extravagâncias publicitárias, vai se tornando “carne de vaca”. O que, por sua vez, aumenta a resistência a ela no Brasil profundo. (...)
Chegar-se-á assim a um desacerto gravíssimo entre o Brasil de superfície e o Brasil profundo, o Brasil constitucional e o Brasil real. E tal desacerto será ainda maior à medida que a aplicação das famigeradas reformas sócio-econômicas for metendo as garras nos patrimônios dos particulares.
Esta afirmação não tem o caráter de uma conjectura. A Reforma Agrária vai-se tornando cada vez menos viável, à medida que mais amplamente se aplica. E já agora se acha em estado de impasse evidente. (...)
Quando as três Reformas [Agrária, Urbana e Empresarial] correrem paralelas, o que se vai passando no Brasil profundo face à Reforma Agrária, se irá, dando, sobretudo nas camadas conservadoras dos centros urbanos, com as demais Reformas.
Qual o resultado de tudo isto? Empilhar os fatores de incompreensão e de indignação uns sobre os outros.
Desse modo, indigne a quem indignar, custe o que custar, doa a quem doer, certo Brasil de superfície nos irá arrastando para o esquerdismo radical, com a fundada alegação de estar aplicando a nova Constituição.
O reformismo festivo parece não se incomodar com isto. Mas cada vez mais serão raros os partícipes de sua alegre farândola, ganhos gradualmente pelo sentimento de inconformidade e apreensão nascido, a justo título, das camadas mais profundas da população.
Fonte: Projeto de Constituição angustia o País, pp. 196-197
Mas, abaixo dessa superfície reluzente, há um Brasil que é e quer continuar a ser autenticamente brasileiro, em legítima continuidade com seu passado, e cujos passos se orientam na linha dessa continuidade, para constituir um Brasil em ascensão, fiel a si próprio, e não o contrário daquele que ele foi e é.
Esse Brasil profundo, marcadamente majoritário, em quem a nova Constituição vai provocando susto e rejeição, tem pouca presença na publicidade. Em Brasília e nas grandes capitais de Estado, ele é sempre mais ignorado. Mas é ele o Brasil real. Como tudo quanto é humano, a esse Brasil não faltam, a par das qualidades, também defeitos. Ele é algum tanto introvertido, isto é, voltado sobre si mesmo. Marcam-no certa indolência e o hábito enraigado da rotina.
Mas daí vem que ele nem atente muito para o que se passa na superfície brilhante, que aflora nos grandes centros urbanos. Em conseqüência, o Brasil profundo deixa-os irem “tocando o barco” de nossa Federação.
À medida, porém, que o Brasil de superfície caminhe para a extrema-esquerda, irá se distanciando mais e mais do Brasil de profundidade. E este último irá despertando, em cada região, do velho letargo.
E de futuro os que atuarem na vida pública de nosso País terão de tomar isto em consideração. E, em vez de olharem tão preponderantemente para o Brasil cosmopolitizado que se agita, terão de olhar para o Brasil conservador que constitui parte da população dos grandes centros, e se patenteia mais numeroso à medida que a atenção do observador desce das grandes cidades para as médias, das médias para as pequenas, e destas últimas, já meio imersas no campo, para nossas populações especificamente rurais.
Objetar-se-á talvez que esta análise já não é inteiramente real nos dias de hoje, pois a televisão está levando o fascínio dos grandes centros até os últimos rincões do Brasil interiorano, ainda há pouco conservador. E assim os vai transformando.
A objeção tem algo de real. Mas esta impregnação progressista do hinterland brasileiro constitui fenômeno menos simples do que à primeira vista parece. Há sinais expressivos de que nas próprias macro-urbes a televisão, à força de se exibir, vai desgastando seu poder de sugestão e, à força de se requintar na pornografia e na estridência de todas as extravagâncias publicitárias, vai se tornando “carne de vaca”. O que, por sua vez, aumenta a resistência a ela no Brasil profundo. (...)
Chegar-se-á assim a um desacerto gravíssimo entre o Brasil de superfície e o Brasil profundo, o Brasil constitucional e o Brasil real. E tal desacerto será ainda maior à medida que a aplicação das famigeradas reformas sócio-econômicas for metendo as garras nos patrimônios dos particulares.
Esta afirmação não tem o caráter de uma conjectura. A Reforma Agrária vai-se tornando cada vez menos viável, à medida que mais amplamente se aplica. E já agora se acha em estado de impasse evidente. (...)
Quando as três Reformas [Agrária, Urbana e Empresarial] correrem paralelas, o que se vai passando no Brasil profundo face à Reforma Agrária, se irá, dando, sobretudo nas camadas conservadoras dos centros urbanos, com as demais Reformas.
Qual o resultado de tudo isto? Empilhar os fatores de incompreensão e de indignação uns sobre os outros.
Desse modo, indigne a quem indignar, custe o que custar, doa a quem doer, certo Brasil de superfície nos irá arrastando para o esquerdismo radical, com a fundada alegação de estar aplicando a nova Constituição.
O reformismo festivo parece não se incomodar com isto. Mas cada vez mais serão raros os partícipes de sua alegre farândola, ganhos gradualmente pelo sentimento de inconformidade e apreensão nascido, a justo título, das camadas mais profundas da população.
Fonte: Projeto de Constituição angustia o País, pp. 196-197
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