Sou tomista convicto. O aspecto da Filosofia pelo qual mais me interesso é a Filosofia da História. Em função deste encontro o ponto de junção entre os dois gêneros de atividade em que me venho dividindo ao longo de minha vida: o estudo e a ação. O ensaio em que condenso o essencial de meu pensamento explica o sentido de minha atuação ideológica. Trata-se do livro Revolução e Contra-Revolução.

2 de junho de 2014

Desacerto gravíssimo entre o Brasil constitucional e o Brasil real

Poucos – na esquerda e no centro – parecem ter atentado para o fato de uma importante dualidade existente em todos os países ibero-americanos. A população do Brasil, como a dos demais, se divide em duas camadas. Uma, que reluz na publicidade, e é constituída pelos setores ricos, poderosos ou então cultos da população, é fortemente cosmopolitizada pelo contato com as “últimas modas” indumentárias, ideológicas ou outras, sucessivamente lançadas nos grandes centros mundiais. Esses grandes centros atuam à maneira de vulcões que ejetam assiduamente sobre o mundo a lava de suas “últimas modas”. E, em nossos dias, para tudo há modas, numa porfia de extravagância e também de arrojos esquerdizantes: desde as jóias, os trajes (talvez fosse mais exato dizer “as nudezes”) até ... as teologias. Nesses setores, a tendência para a esquerda constitui verdadeiramente fator de popularidade. E nos clubes mais ricos, como nos meios de comunicação social de maior projeção, nas Universidades mais ilustres como em tantos Seminários e Noviciados, é certo que os vanguardeiros da caminhada para a esquerda contam com possibilidades eleitorais importantes.

Mas, abaixo dessa superfície reluzente, há um Brasil que é e quer continuar a ser autenticamente brasileiro, em legítima continuidade com seu passado, e cujos passos se orientam na linha dessa continuidade, para constituir um Brasil em ascensão, fiel a si próprio, e não o contrário daquele que ele foi e é.

Esse Brasil profundo, marcadamente majoritário, em quem a nova Constituição vai provocando susto e rejeição, tem pouca presença na publicidade. Em Brasília e nas grandes capitais de Estado, ele é sempre mais ignorado. Mas é ele o Brasil real. Como tudo quanto é humano, a esse Brasil não faltam, a par das qualidades, também defeitos. Ele é algum tanto introvertido, isto é, voltado sobre si mesmo. Marcam-no certa indolência e o hábito enraigado da rotina.

Mas daí vem que ele nem atente muito para o que se passa na superfície brilhante, que aflora nos grandes centros urbanos. Em conseqüência, o Brasil profundo deixa-os irem “tocando o barco” de nossa Federação.

À medida, porém, que o Brasil de superfície caminhe para a extrema-esquerda, irá se distanciando mais e mais do Brasil de profundidade. E este último irá despertando, em cada região, do velho letargo.

E de futuro os que atuarem na vida pública de nosso País terão de tomar isto em consideração. E, em vez de olharem tão preponderantemente para o Brasil cosmopolitizado que se agita, terão de olhar para o Brasil conservador que constitui parte da população dos grandes centros, e se patenteia mais numeroso à medida que a atenção do observador desce das grandes cidades para as médias, das médias para as pequenas, e destas últimas, já meio imersas no campo, para nossas populações especificamente rurais.

Objetar-se-á talvez que esta análise já não é inteiramente real nos dias de hoje, pois a televisão está levando o fascínio dos grandes centros até os últimos rincões do Brasil interiorano, ainda há pouco conservador. E assim os vai transformando.

A objeção tem algo de real. Mas esta impregnação progressista do hinterland brasileiro constitui fenômeno menos simples do que à primeira vista parece. Há sinais expressivos de que nas próprias macro-urbes a televisão, à força de se exibir, vai desgastando seu poder de sugestão e, à força de se requintar na pornografia e na estridência de todas as extravagâncias publicitárias, vai se tornando “carne de vaca”. O que, por sua vez, aumenta a resistência a ela no Brasil profundo. (...)

Chegar-se-á assim a um desacerto gravíssimo entre o Brasil de superfície e o Brasil profundo, o Brasil constitucional e o Brasil real. E tal desacerto será ainda maior à medida que a aplicação das famigeradas reformas sócio-econômicas for metendo as garras nos patrimônios dos particulares.

Esta afirmação não tem o caráter de uma conjectura. A Reforma Agrária vai-se tornando cada vez menos viável, à medida que mais amplamente se aplica. E já agora se acha em estado de impasse evidente. (...)

Quando as três Reformas [Agrária, Urbana e Empresarial] correrem paralelas, o que se vai passando no Brasil profundo face à Reforma Agrária, se irá, dando, sobretudo nas camadas conservadoras dos centros urbanos, com as demais Reformas.

Qual o resultado de tudo isto? Empilhar os fatores de incompreensão e de indignação uns sobre os outros.

Desse modo, indigne a quem indignar, custe o que custar, doa a quem doer, certo Brasil de superfície nos irá arrastando para o esquerdismo radical, com a fundada alegação de estar aplicando a nova Constituição.

O reformismo festivo parece não se incomodar com isto. Mas cada vez mais serão raros os partícipes de sua alegre farândola, ganhos gradualmente pelo sentimento de inconformidade e apreensão nascido, a justo título, das camadas mais profundas da população.

Fonte: Projeto de Constituição angustia o País, pp. 196-197

Um comentário:

Eduardo disse...

Parece ter sido escrito ontem...e pensar que foi há mais de 25 anos...