Sou tomista convicto. O aspecto da Filosofia pelo qual mais me interesso é a Filosofia da História. Em função deste encontro o ponto de junção entre os dois gêneros de atividade em que me venho dividindo ao longo de minha vida: o estudo e a ação. O ensaio em que condenso o essencial de meu pensamento explica o sentido de minha atuação ideológica. Trata-se do livro Revolução e Contra-Revolução.

30 de agosto de 2013

Holocausto, boas maneiras, etiqueta e protocolo

Holocausto. A palavra merece ser sublinhada, pois o holocausto tinha, na vida do nobre, uma importância central. De algum modo, ele fazia-se sentir até na vida social, sob a forma de uma ascese que a marcava a fundo. Com efeito, as boas maneiras, a etiqueta e o protocolo modelavam-se segundo padrões que exigiam da parte do nobre uma contínua repressão do que há de vulgar, de desabrido e até de vexatório em tantos impulsos do homem. A vida social era, sob alguns aspectos, um sacrifício contínuo que se ia tornando mais exigente à medida que a civilização progredia e se requintava. A afirmação pode quiçá despertar o sorriso céptico de não poucos leitores.

Para que estes ponderem bem o que nela há de real, bastará que considerem as mitigações, as simplificações e as mutilações que o mundo burguês, nascido da Revolução Francesa, vem impondo gradualmente às etiquetas e cerimoniais sobreviventes nos nossos dias. Invariavelmente todas essas alterações têm sido feitas para proporcionar despreocupação, comodidade, conforto burguês aos magnatas do arrivismo, decididos a conservar, quanto possível, no seio da sua opulência recém-nascida, a vulgaridade das suas anteriores condições de vida. E assim a erosão de todo o bom gosto, de todas as etiquetas e belas maneiras tem-se feito por obediência a um desejo de laissez-faire, de "descontracção"; e pelo domínio do capricho inopinado e extravagante do hippismo, o qual encontrou o seu apogeu na rebelião descabelada da Sorbonne, em 1968, e nos movimentos jovens tipo punk, dark, etc. que se lhe têm seguido.

Fonte: Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza Romana, p. 116

27 de agosto de 2013

Crise do Homem contemporâneo, ocidental e Cristão

As muitas crises que abalam o mundo hodierno - do Estado, da família, da economia, da cultura, etc. - não constituem senão múltiplos aspectos de uma só crise fundamental, que tem como campo de ação o próprio homem. Em outros termos, essas crises têm sua raiz nos problemas de alma mais profundos, de onde se estendem para todos os aspectos da personalidade do homem contemporâneo e todas as suas atividades.

Essa crise é principalmente a do homem ocidental e cristão, isto é, do europeu e de seus descendentes, o americano e o australiano. E é enquanto tal que mais particularmente a estudaremos. Ela afeta também os outros povos, na medida em que a estes se estende e neles criou raiz o mundo ocidental. Nesses povos tal crise se complica com os problemas próprios às respectivas culturas e civilizações e ao choque entre estas e os elementos positivos ou negativos da cultura e da civilização ocidentais.

Por mais profundos que sejam os fatores de diversificação dessa crise nos vários países hodiernos, ela conserva, sempre, cinco caracteres capitais: é universal, una, total, dominante e processiva.

Fonte: Revolução e Contra-Revolução, 4ª ed., 1998, pp. 19-23

26 de agosto de 2013

O sorriso dos céticos jamais conseguiu deter a marcha vitoriosa dos que têm Fé

A linguagem dos fatos é outra. No campo das idéias, não existe apenas o antigo e o novo, como quereriam os evolucionistas. Existem também, e sobretudo, o verdadeiro, o bom, o belo e o perene. Em contraposição irreconciliável com o erro, o mal e o disforme. E ao verum, bonum e pulchrum, significativos setores da juventude hodierna não só permanecem sensíveis, mas engajaram uma marcha de resoluta expansão.

A tradição do perene não é morte, mas vida — vida de hoje e vida de amanhã. De outra maneira não se explicaria este fato patente, que é a repercussão da Contra-Revolução na mais nova juventude deste nosso novíssimo continente.

Não pretendo ser apenas um defensor do passado, mas um colaborador — com outras forças vivas — para influir no presente e preparar o futuro. Estou certo de que os princípios a que consagrei minha vida são hoje mais atuais do que nunca e apontam o caminho que o mundo seguirá nos próximos séculos. Os céticos poderão sorrir. Mas o sorriso dos céticos jamais conseguiu deter a marcha vitoriosa dos que têm Fé.

Fonte: Auto-retrato filosófico

Função social de uma família reinante

A função social da família reinante é subtil, e difícil de definir. Nem por isto, deixa de ser muito real e importante.

Para que tenhamos disto alguma idéia, é preciso considerarmos o exemplo inglês, a suma atenção com que a opinião de todas as camadas sociais e correntes partidárias acompanha os gestos e feitos da família real, e a importância que atribui a qualquer acontecimento que ocorra neste terreno. A família reinante deve, a um tempo, ser o espelho e o modelo do ideal familiar e social do país. Espelho, no sentido de que deve possuir do modo mais acentuado e autêntico, o que a mentalidade doméstica e social do país tem de típico.

A família reinante deve ser como que a concretização simbólica do espírito nacional, no que diz respeito à vida social e familiar. Modelo, no sentido de que cabe à dinastia a função discreta de dirigir a evolução da mentalidade nacional, no lar e na sociedade. Munida do prestígio social inerente à sua categoria, pode a família reinante, sobre a qual convergem todos os olhares, por meio de seu exemplo, fazer cair em desuso os costumes menos bons, e os substituir gradualmente por outros, exercendo assim sobre o espírito público uma função pedagógica de imensa importância.

Se investigarmos bem a fundo as razões da popularidade que a Família Imperial conservou, mesmo depois da República, veremos que reside em boa parte, no êxito de sua tarefa social. O velho Imperador, com a grande respeitabilidade de sua figura, seu porte grave e afável, sua longa barba precocemente encanecida, representava bem o tipo ideal do excelente pai de família brasileiro daquela época, coluna do lar, protetor suave e varonil dos seus. Os costumes privados do Imperador eram sabidamente excelentes. O Imperador era como que o tipo exemplar que concentrava em si as virtudes que cada brasileiro estimava em seu próprio Pai. O mesmo se poderia dizer da Imperatriz, Dona Teresa Cristina. Era italiana, da Casa de Bourbon Duas Sicílias. Adaptou-se a nosso ambiente com a naturalidade com que o fazem os de sua terra. Feia, boa, acolhedora, era ela mesma o protótipo da dama brasileira, algum tanto desinteressada naquele tempo dos encargos de representação, mas exímia em tudo quanto dissesse respeito aos deveres do lar. Todo o mundo, consciente ou inconscientemente, se sentia um pouco parente daquela família-tipo.

Cabia à Princesa Isabel sustentar esta tradição, representar ela mesma a geração em que nascera, com a exatidão e fidelidade com que seus pais haviam logrado encarnar a geração anterior. Incumbia-lhe aliar à representação própria ao regime monárquico, a simplicidade de que os brasileiros sempre foram tão ardentes apreciadores. À delicadeza, essencial ao verdadeiro ideal feminino, a firmeza de pulso própria a uma herdeira da coroa. Em uma época em que as mulheres viviam tão arredadas da política que nem tinham direito de voto, ela, a Princesa Imperial, se encontrava bem no âmago da vida política, onde devia agir de modo a inspirar confiança aos homens, e evitar a antipatia das mulheres! Era uma popularidade pessoal, que lhe vinha de suas virtudes, vistas sobretudo deste ângulo fundamental: a Princesa soubera, ela também, encarnar perfeitamente o que havia de melhor entre as brasileiras de sua geração. Era o tipo da grande dama brasileira de seu tempo, nobre, maternal, bondosa, que sabia fazer-se respeitar, sobretudo pelo amor.

Fonte: Uma glória da Igreja, na História do Brasil, Legionário, 28.07.1946

25 de agosto de 2013

Pacíficos e pacifistas

É preciso não confundir os pacifistas com os pacíficos. A estes últimos, Nosso Senhor prometeu, no Sermão das bem-aventuranças, um prêmio admirável: "Serão chamados filhos de Deus". O varão pacífico é aquele que ama a paz. E a paz verdadeira, Santo Agostinho a definiu esplendidamente como a "tranqüilidade da ordem".

Pelo contrário, o pacifista tem pouco amor a qualquer tranqüilidade, venha ela da ordem ou da desordem. E no fundo ele prefere a desordem. Se fala em paz, é como pretexto para iludir e imobilizar os varões pacíficos, adeptos da ordem.

Fonte: Contradições desinibidas, Folha de S. Paulo, 5/8/1973

Monotonia da vida pública - atonia do eleitorado

Muitíssimos são os brasileiros que não pertencem nem aderem estavelmente a partido algum. Essa abstenção se deve à indiferença política de muitos deles: a coisa pública pouco ou nada lhes fala à alma. Mas, ao que tudo indica, a maior parte desse eleitorado não arregimentado opta pela marginalização partidária, não porque lhe falte interesse pelo bem comum e pelas problemáticas relacionadas com este, mas por outra razão: é que eles acalentam no fundo da alma anelos, ideais, sugestões políticas, sociais e econômicas para as quais não encontram nenhum reflexo nos mass media compactamente homogeneizados.

Mass media mais ricamente diferenciados, do ponto de vista ideológico, doutrinário e cultural, poderiam servir de meios de expressão e de conseqüente aglutinação de inúmeras almas que se calam. E a vida pública brasileira adquiriria assim a amplitude e a vitalidade que lhe faltam.

Com efeito, entre os que assim são abafados se encontram, muitas vezes, reflexões ansiosas de se comunicarem, aspirações palpitantes do desejo de procurarem em larga escala, elementos afins aos quais somarem os que já têm, com o fito de iniciar uma pregação política ou sócio-econômica específica, concepções novas do Brasil que não chegaram a se esboçar inteiramente, vida corpuscular, miúda, mas estuante, a qual lateja nos recantos ideológicos minoritários e obscuros do País e que, ao ensejo da Constituinte, tendem a lançar cada qual, em tais circunstâncias, seu SOS para salvar o País... ou para que o País os salve da situação anquilosada na qual vegetam.

Não é difícil admitir que toda essa vida, comprimida pelo anonimato a que a relega o capitalismo publicitário, se “vingue”, recolhendo dentro de si as riquezas de pensamento que muitas vezes possuem. E privando assim a vida pública da vivacidade rica e inesperada que lhe é peculiar. Daí resulta em parte a monotonia da nossa vida pública: “monotonia” no sentido etimológico do termo. A “mono-tonia”, sim, que instila o tédio político no grande público. E produz a “a-tonia” de considerável parte do eleitorado.

Fonte: Projeto de Constituição angustia o País, 1987, pp. 19-20

Tradição: mal vista pelos fanáticos do "aggiornamento"

"Aggiornamento"... "encontro com a História" são expressões com que a todo o momento se esbarra, mas cujo conceito – o mais das vezes – permanece obscuro. Dentro desta obscuridade, entretanto, um resíduo é sempre claro: atualização. A pessoa que se preza de "aggiornata" julga conhecer a realidade dos dias presentes e ter acertado os seus ponteiros segundo ela. O "encontro com a História" é essencialmente um encontro com o presente, e de modo particular com aquilo que o presente tem de diverso e até de contraditório com o passado.

Para os fanáticos do "aggiornamento" e do "encontro com a História", a palavra mal vista por excelência é "tradição". Evolucionistas conscientes ou inconscientes, para eles a natureza não tem elementos fixos e imutáveis, nem a ordem natural repousa sobre princípios perenes. A posição do presente em relação ao passado não é, pois, segundo eles, o de uma continuidade dinâmica e aprimoradora, mas de uma negação completa, de uma ruptura omnímoda e de uma demolição integral e renovadora. Compreende-se, pois, que para os apaixonados deste gênero revolucionário de progresso, a tradição é um insulto ao presente, a expressão teimosa e atrevida do desejo de sobrevivência de algo que pela ação implacável do tempo perdeu o direito de existir.

Sem entrar na análise deste modo de ver – que reputo indefensável – parece-me importante notar que um extremista do "aggiornamento", para ser coerente com sua posição, deve antes de tudo esmerar-se em ter a noção mais lúcida da realidade. Pois se é por esta que tem ele que acertar seus ponteiros, lhe é indispensável ver com toda a exatidão por onde estes ponteiros correm.

Fonte: 6 lições dos 600 mil, Folha de S. Paulo, 7.08.1968

O Divino Mestre não pregou a impunidade sistemática do mal

Fazemos a apologia de doutrinas de luta e de força, luta pelo bem é certo, e força a serviço da verdade. Mas o romantismo religioso do século passado desfigurou de tal maneira em muitos ambientes a verdadeira noção de Catolicismo, que este aparece aos olhos de um grande número de pessoas, ainda em nossos dias, como uma doutrina muito mais própria “do meigo Rabí da Galiléia” de que nos falava Renan, do taumaturgo um tanto rotariano por seu espírito e por suas obras, com que o positivismo pinta blasfemamente Nosso Senhor, parecendo ao mesmo tempo enaltecê-lo, do que do Homem Deus que nos apresentam os Santos Evangelhos.

Costuma-se afirmar, dentro desta ordem de ideias, que o Novo Testamento instituiu um regime tão suave nas relações entre Deus e o homem, ou entre o homem e o seu próximo, que todo o sentido de luta e de severidade teria desaparecido da Religião. Tornar-se-iam assim obsoletas as advertências e ameaças do Antigo Testamento, e o homem teria ficado emancipado de qualquer obrigação de temor de Deus ou de luta contra os adversários da Igreja.

Sem contestar que realmente na lei da graça tenha havido uma efusão muito mais abundante da misericórdia divina queremos demonstrar que se dá às vezes a este fato gratíssimo um alcance maior do que na realidade ele tem. (...)

O Divino Mestre pregou certamente a misericórdia, mas não pregou a impunidade sistemática do mal. No Santo Evangelho, se Ele nos aparece muitas vezes perdoando, aparece-nos também mais de uma vez punindo ou ameaçando. Aprendamos com Ele que há circunstâncias em que é preciso perdoar, e em que seria menos perfeito punir; e também circunstâncias em que é preciso punir, e seria menos perfeito perdoar. Não incidamos em um unilateralismo de que o adorável exemplo do Salvador é uma condenação expressa, já que Ele soube fazer, ora uma, ora outra coisa.

Fonte: Em defesa da Ação Católica, pp. 283 e 284

"Enquanto o Senhor não edificar a cidade em vão trabalharão os que a edificam"

Penso que não há, em todo o Antigo Testamento, princípio mais intimamente ligado às concepções do [jornal] Legionário sobre a civilização em geral, e particularmente sobre a civilização cristã, do que o do salmista: "Enquanto o Senhor não edificar a cidade em vão trabalharão os que a edificam".

Escreveu Pio XI que a única civilização verdadeira digna deste nome é a civilização cristã. Para nós, que nascemos na glória e santidade dos últimos fulgores dessa civilização, tal verdade é fundamental. À medida que a tragédia deste imenso crepúsculo espiritual se vai desenrolando a nossos olhos desolados, lentamente se vai esboroando a civilização. Não para dar lugar a uma outra ordem de coisas, menos boa quiçá, mas enfim a uma ordem qualquer. A sociedade de aço e cimento que se vai formando por toda a parte não é uma ordem nova. É a metodização e a sistematização da suma desordem. A ordem é a disposição das coisas segundo sua natureza e seu fim. Todas as coisas se vão dispondo gradualmente contra sua natureza e seu fim. Haverá quiçá neste metálico inferno uma organização rígida e feroz, como rígida e feroz é a férrea hierarquia que existe entre os anjos da perdição. Durará esta era de aço até que as forças íntimas de desagregação se tornem tão veementes, que nem sequer tolerem mais a organização do mal. Será então o estouro final. Outro desfecho não haverá para nós, se continuarmos nesta marcha. Porque, para nós batizados, os meios termos não são possíveis. Ou voltamos à civilização cristã, ou acabaremos por não ter civilização alguma. Entre a plenitude solar da civilização cristã e o vácuo absoluto, a destruição total, há etapas passageiras: não há, porém, terrenos onde se possa construir qualquer coisa de durável.

Claro está que não somos fatalistas. Se, para o suicida, da ponte ao rio ainda há a possibilidade de uma contrição, certamente existe para a humanidade, no resto de caminho que vai de seu estado atual para sua aniquilação, possibilidade de arrependimento, de emenda e de ressurreição. A Providência nos espreita em todas as curvas, desta última e mais profunda espiral. Trata-se, para nós, de ouvir com diligência a sua voz salvadora.

Esta voz se faz ouvir, para nós, na multíplice e terrível lição dos fatos. Tudo, hoje em dia, nos fala de desagregação. O castigo divino está fumegando em torno de nós. Estamos no instante providencial em que, aproveitando este pouco de fôlego que a paz nos dá, podemos instruir-nos com o passado, e considerar a advertência deste futuro de que nos aproximamos com terror.

"Se hoje ouvirdes sua voz, não endureçais vossos corações". É este o conselho da Escritura. Abramos, pois, de par em par os nossos corações, à dura lição dos fatos. Examinar com frieza, com realismo, com objetividade inexorável o mundo atual, sondar uma a uma as suas chagas, abismar o espírito na contemplação de seus desastres e suas dores, é um dever. Porque Deus nos fala pela voz de todas estas provações. Ser totalmente otimista diante delas, é fechar os ouvidos a voz de Deus.

Fonte: A Deflação, Legionário, 21.07.1946

Dissipar as trevas do desânimo

Acredito na gravidade do perigo comunista. Mas tal gravidade decorre do contraste entre, de um lado, a moleza e a imprevidência de incontáveis anticomunistas de cúpula e de base, e do outro lado, o fanatismo, a sagacidade, a agilidade e a requintada técnica de manipular a opinião pública, das minorias autenticamente comunistas.

Não me farto de insistir sobre a insensibilidade da opinião pública à propaganda comunista. De Marx a nossos dias, os comunistas só conquistaram o poder e só se mantiveram nele pela força. Jamais pela persuasão. Quanto mais estendem seu poder, tanto mais se lhes torna difícil manter sob jugo o crescente número de suas vítimas. Um colosso assim estruturado tem evidentemente pés de barro. E, quanto mais cresce, mais está prestes a cair. Por isto mesmo, considero uma obra-prima da propaganda comunista, que ela tenha conseguido desviar deste ponto capital a atenção de numerosos anticomunistas, a ponto de os persuadir de que diante do poderio vermelho a resistência anticomunista se tornou inútil.

A luta contra esse pessimismo gratuito deve ser um dos empenhos mais contínuos dos que reagem contra o comunismo. (...) Dissipar as trevas do desânimo me parece um dos principais deveres do momento.

Fonte: Animar, esse dever urgente, Folha de S. Paulo, 10.09.1969

Odiai o erro, amai os que erram

"Odiai o erro, amai os que erram", escreveu Santo Agostinho. Grande, sábia, admirável sentença. Entretanto, quantas aberrações, quantas traições, quantas capitulações vergonhosas se tem abusivamente cometido em nome dela!

Há pessoas cândidas - ou covardes - que imaginam as idéias como entes dotados de existência física própria e autônoma, os quais se incubam misteriosamente nas pessoas. Pode-se mover guerra às idéias sem atacar as pessoas, mais ou menos como se pode combater a doença infecciosa sem combater o doente. A guerra é contra o bacilo, tão somente.

Este modo de ver, muito generalizado, infelizmente, em nossos dias, beneficia largamente nossos adversários, pois desarma toda a nossa reação.

A verdade e o erro não são algo de extrínseco ao espírito humano como as fichas na gaveta de um fichário. A inteligência, pelo contrário, tende a assimilar este e aquela, por um processo que tem sido merecida e freqüentemente comparado à digestão. Se alguém come pão ou carne, a digestão incorpora ao organismo uma parcela da substância destes alimentos, que ficam fazendo parte da pessoa. Analogamente, se alguém aceita uma doutrina, esta de tal maneira pode chegar a marcar sua personalidade, que se diria figurativamente que tal homem personifica aquela idéia. Como pretender destruir o pão já digerido por uma pessoa, sem ferir a esta última em sua carne? E como se pode atacar uma idéia sem atingir em certa medida quem a personifica, quem ipso facto lhe dá vida, atualidade e possibilidades de difusão?

Não. A sentença de Santo Agostinho é de sentido óbvio. Ela preceitua que desejemos a humilhação e a derrota do erro, bem como a conversão e a salvação de quem erra. Ela recomenda que usemos, para com quem erra, de toda a suavidade possível. Ela não nos proíbe de utilizar, contra aquele que erra, uma justa severidade, quando isto se torna necessário para o bem da Igreja e a salvação das almas. Nesse sentido, não chega aquela sentença a ponto de inutilizar no católico a capacidade de ação e de luta contra os fautores do erro ou do mal. Muito pelo contrário, os Santos souberam sempre conciliar as duas obrigações fundamentais e aparentemente contraditórias, de amar o próximo e de o combater quando a isto impele o zelo pela glória de Deus e pela salvação das almas.

Fonte: "Por orgulho, repelem toda sujeição", Catolicismo, Outubro de 1957