"Aggiornamento"... "encontro com a História" são expressões com que a todo o momento se esbarra, mas cujo conceito – o mais das vezes – permanece obscuro. Dentro desta obscuridade, entretanto, um resíduo é sempre claro: atualização. A pessoa que se preza de "aggiornata" julga conhecer a realidade dos dias presentes e ter acertado os seus ponteiros segundo ela. O "encontro com a História" é essencialmente um encontro com o presente, e de modo particular com aquilo que o presente tem de diverso e até de contraditório com o passado.
Para os fanáticos do "aggiornamento" e do "encontro com a História", a palavra mal vista por excelência é "tradição". Evolucionistas conscientes ou inconscientes, para eles a natureza não tem elementos fixos e imutáveis, nem a ordem natural repousa sobre princípios perenes. A posição do presente em relação ao passado não é, pois, segundo eles, o de uma continuidade dinâmica e aprimoradora, mas de uma negação completa, de uma ruptura omnímoda e de uma demolição integral e renovadora. Compreende-se, pois, que para os apaixonados deste gênero revolucionário de progresso, a tradição é um insulto ao presente, a expressão teimosa e atrevida do desejo de sobrevivência de algo que pela ação implacável do tempo perdeu o direito de existir.
Sem entrar na análise deste modo de ver – que reputo indefensável – parece-me importante notar que um extremista do "aggiornamento", para ser coerente com sua posição, deve antes de tudo esmerar-se em ter a noção mais lúcida da realidade. Pois se é por esta que tem ele que acertar seus ponteiros, lhe é indispensável ver com toda a exatidão por onde estes ponteiros correm.
Fonte: 6 lições dos 600 mil, Folha de S. Paulo, 7.08.1968
Nenhum comentário:
Postar um comentário