Muitíssimos são os brasileiros que não pertencem nem aderem
estavelmente a partido algum.
Essa abstenção se deve à indiferença política de muitos deles: a coisa pública pouco ou
nada lhes fala à alma. Mas, ao que tudo indica, a maior parte desse eleitorado não arregimentado
opta pela marginalização partidária, não porque lhe falte interesse pelo bem comum e pelas
problemáticas relacionadas com este, mas por outra razão: é que eles acalentam no fundo da alma
anelos, ideais, sugestões políticas, sociais e econômicas para as quais não encontram nenhum
reflexo nos mass media compactamente homogeneizados.
Mass media mais ricamente diferenciados, do ponto de vista ideológico, doutrinário e
cultural, poderiam servir de meios de expressão e de conseqüente aglutinação de inúmeras almas
que se calam. E a vida pública brasileira adquiriria assim a amplitude e a vitalidade que lhe faltam.
Com efeito, entre os que assim são abafados se encontram, muitas vezes, reflexões
ansiosas de se comunicarem, aspirações palpitantes do desejo de procurarem em larga escala,
elementos afins aos quais somarem os que já têm, com o fito de iniciar uma pregação política ou
sócio-econômica específica, concepções novas do Brasil que não chegaram a se esboçar
inteiramente, vida corpuscular, miúda, mas estuante, a qual lateja nos recantos ideológicos
minoritários e obscuros do País e que, ao ensejo da Constituinte, tendem a lançar cada qual, em tais
circunstâncias, seu SOS para salvar o País... ou para que o País os salve da situação anquilosada na
qual vegetam.
Não é difícil admitir que toda essa vida, comprimida pelo anonimato a que a relega o
capitalismo publicitário, se “vingue”, recolhendo dentro de si as riquezas de pensamento que muitas
vezes possuem. E privando assim a vida pública da vivacidade rica e inesperada que lhe é peculiar.
Daí resulta em parte a monotonia da nossa vida pública: “monotonia” no sentido
etimológico do termo. A “mono-tonia”, sim, que instila o tédio político no grande público. E produz
a “a-tonia” de considerável parte do eleitorado.
Fonte: Projeto de Constituição angustia o País, 1987, pp. 19-20
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