Sou tomista convicto. O aspecto da Filosofia pelo qual mais me interesso é a Filosofia da História. Em função deste encontro o ponto de junção entre os dois gêneros de atividade em que me venho dividindo ao longo de minha vida: o estudo e a ação. O ensaio em que condenso o essencial de meu pensamento explica o sentido de minha atuação ideológica. Trata-se do livro Revolução e Contra-Revolução.

25 de agosto de 2013

"Enquanto o Senhor não edificar a cidade em vão trabalharão os que a edificam"

Penso que não há, em todo o Antigo Testamento, princípio mais intimamente ligado às concepções do [jornal] Legionário sobre a civilização em geral, e particularmente sobre a civilização cristã, do que o do salmista: "Enquanto o Senhor não edificar a cidade em vão trabalharão os que a edificam".

Escreveu Pio XI que a única civilização verdadeira digna deste nome é a civilização cristã. Para nós, que nascemos na glória e santidade dos últimos fulgores dessa civilização, tal verdade é fundamental. À medida que a tragédia deste imenso crepúsculo espiritual se vai desenrolando a nossos olhos desolados, lentamente se vai esboroando a civilização. Não para dar lugar a uma outra ordem de coisas, menos boa quiçá, mas enfim a uma ordem qualquer. A sociedade de aço e cimento que se vai formando por toda a parte não é uma ordem nova. É a metodização e a sistematização da suma desordem. A ordem é a disposição das coisas segundo sua natureza e seu fim. Todas as coisas se vão dispondo gradualmente contra sua natureza e seu fim. Haverá quiçá neste metálico inferno uma organização rígida e feroz, como rígida e feroz é a férrea hierarquia que existe entre os anjos da perdição. Durará esta era de aço até que as forças íntimas de desagregação se tornem tão veementes, que nem sequer tolerem mais a organização do mal. Será então o estouro final. Outro desfecho não haverá para nós, se continuarmos nesta marcha. Porque, para nós batizados, os meios termos não são possíveis. Ou voltamos à civilização cristã, ou acabaremos por não ter civilização alguma. Entre a plenitude solar da civilização cristã e o vácuo absoluto, a destruição total, há etapas passageiras: não há, porém, terrenos onde se possa construir qualquer coisa de durável.

Claro está que não somos fatalistas. Se, para o suicida, da ponte ao rio ainda há a possibilidade de uma contrição, certamente existe para a humanidade, no resto de caminho que vai de seu estado atual para sua aniquilação, possibilidade de arrependimento, de emenda e de ressurreição. A Providência nos espreita em todas as curvas, desta última e mais profunda espiral. Trata-se, para nós, de ouvir com diligência a sua voz salvadora.

Esta voz se faz ouvir, para nós, na multíplice e terrível lição dos fatos. Tudo, hoje em dia, nos fala de desagregação. O castigo divino está fumegando em torno de nós. Estamos no instante providencial em que, aproveitando este pouco de fôlego que a paz nos dá, podemos instruir-nos com o passado, e considerar a advertência deste futuro de que nos aproximamos com terror.

"Se hoje ouvirdes sua voz, não endureçais vossos corações". É este o conselho da Escritura. Abramos, pois, de par em par os nossos corações, à dura lição dos fatos. Examinar com frieza, com realismo, com objetividade inexorável o mundo atual, sondar uma a uma as suas chagas, abismar o espírito na contemplação de seus desastres e suas dores, é um dever. Porque Deus nos fala pela voz de todas estas provações. Ser totalmente otimista diante delas, é fechar os ouvidos a voz de Deus.

Fonte: A Deflação, Legionário, 21.07.1946

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