Sou tomista convicto. O aspecto da Filosofia pelo qual mais me interesso é a Filosofia da História. Em função deste encontro o ponto de junção entre os dois gêneros de atividade em que me venho dividindo ao longo de minha vida: o estudo e a ação. O ensaio em que condenso o essencial de meu pensamento explica o sentido de minha atuação ideológica. Trata-se do livro Revolução e Contra-Revolução.

9 de setembro de 2015

Desenvolvimento ápice: glorioso labor de alma de um povo

Há muito tempo, muitíssimo até, tenho acerca do desenvolvimento de nosso País uma impressão a comunicar.

"Desenvolvimento" é um termo tomado aqui num sentido que tem parentesco apenas longínquo com o que habitualmente se entende por tal. Não falo do desenvolvimento econômico-financeiro. Este é o sentido ápice – e não raras vezes até único – que se atribui ao vocábulo em nossos dias empapados de hedonismo burguês e de materialismo comunista.

Na perspectiva em que me coloco, tal forma de desenvolvimento tem seu lugar. Este não é, entretanto, o ápice. Pela simples razão de que o homem não é principalmente estômago. O desenvolvimento-ápice não consiste pois na promoção das coisas do corpo, do "irmão corpo", segundo a linguagem franciscana. Consiste, isto sim, no desenvolvimento do homem todo, postos na devida hierarquia os vários elementos deste todo. E, assim, a alma em primeiro lugar. Entre as coisas da alma, quero destacar aqui uma das mais nobres, isto é, a aptidão de relacionar as coisas da matéria com as do espírito, e umas e outras com Deus.

Todo o universo foi criado à imagem e semelhança de Deus. De onde existirem analogias entre todas as criaturas. Pois seres análogos a um terceiro são, por isto mesmo, análogos entre si. Daí as coisas materiais terem o poder de exprimir as espirituais. E um dos usos mais nobres que se possa fazer de cada uma, e de todas no conjunto, consiste em lhes conhecer essa expressão espiritual. Através dessa expressão, a inteligência conhece melhor as coisas do espírito. Serventia excelsa que tem a matéria até para os bem-aventurados após a ressurreição, quando entretanto verão Deus face a face.

Uma pessoa penetrada destas grandes verdades, e habituada a fazer do relacionamento matéria-alma-Deus uma atividade-réctrix de seu espírito, pode desta maneira chegar ao ápice de sua personalidade. Ou seja, atingiu o desenvolvimento ordenado e inteiro de seu próprio eu. Seu desenvolvimento-ápice.

Essas verdades, precisamente porque muito abstratas, têm contudo relação com o que há de mais profundo e decisivo na realidade concreta. Assim é fator da grandeza, do bem-estar e da "force de frappe" de um país o relacionamento íntimo entre os recursos naturais e a paisagem do território, de um lado, com as características do espírito nacional, de outro lado, a ponto de o observador notar afinidades entre a configuração dos montes, o curso e o rumorejar dos rios, as mil cores e formas da vegetação, os perfumes das flores, os sabores da culinária local, as harmonias das músicas e das danças populares, das formas e das cores dos trajes típicos – com o espírito da população, por exemplo com o estilo dos gracejos e das brigas das crianças, dos feitos dos homens maduros e da experimentada sabedoria dos anciãos. Tudo isto forma um emaranhado de elementos que se entrelaçam por mil afinidades indissociáveis. E é a diferença entre estes – mais até do que os limites territoriais – que distingue as nações. Que diferença entre a França e a Alemanha, por exemplo! Salta aos olhos que cada uma dessas nações forma com o respectivo "emaranhado" um só todo. Não se pode conceber uma França habitada só por alemães, nem uma Alemanha habitada só por franceses.

A tradição clássica, e mais tarde a influência profunda da Igreja, ensinou esses homens a "serem" muito mais alma do que corpo, a procurarem nas coisas da matéria analogias e ensinamentos supremos sobre a alma e sobre Deus. Daí essa admirável consonância entre o corpo e a alma dos grandes povos. Assim, tais povos foram conduzidos, numa imensa ação conjunta, a interpretarem o respectivo quadro material, encontrando nele mil afinidades com suas próprias almas. Afinidades estas que a cultura acentuou e pôs em relevo.

Tenho a impressão de que, dentro da tormenta contemporânea, a maioria dos homens, descaracterizados, massificados pela civilização moderna, mecânica e cosmopolita, já não sabe sentir os significados espirituais e "divinos" das coisas. Nem perceber os vínculos que os ligam entre si, nem às paisagens em que nasceram. E em países novos como o nosso, a interpretação simbólica dos panoramas, da flora, da fauna, o saboreio ou olfatação dos produtos da terra, a audição de seus ruídos ou dos cânticos da natureza, tudo se reduz, para muitos dentre nós, às vagas recordações de infância que o progresso esmagou já na adolescência por meio do rolo-compressor do "senso prático".

Fonte: "Reflexões sobre um café", Folha de S. Paulo, 20.07.1979

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