Sou tomista convicto. O aspecto da Filosofia pelo qual mais me interesso é a Filosofia da História. Em função deste encontro o ponto de junção entre os dois gêneros de atividade em que me venho dividindo ao longo de minha vida: o estudo e a ação. O ensaio em que condenso o essencial de meu pensamento explica o sentido de minha atuação ideológica. Trata-se do livro Revolução e Contra-Revolução.

6 de julho de 2016

Sacro Império: ideal cristão de uma grande família de povos

A Europa já constituiu, em outros tempos, um grande todo de natureza federal, pelo menos no sentido muito amplo e muito genérico da palavra.

Em 476, o Império Romano do Ocidente deixou de existir. O território europeu, coberto de hordas bárbaras, não possuía Estados definidos e de fronteiras duráveis. Era toda uma efervescência de selvageria, que só foi amainando à medida que a ação dos grandes missionários assegurou, um pouco por toda parte, um início de pujante germinação para a semente evangélica. A esta altura, tornando os costumes menos rudes, a vida menos incerta e turbilhonante, a ignorância menos espessa, estava constituída na Europa um grande conglomerado de povos cristãos que, por sobre todas as suas diversidades naturais, estavam unidos por dois vínculos comuns profundos, nascidos de um grande amor, e de um grande perigo:

a) - sinceramente, profundamente cristãos, adorando pois em espírito e verdade (e não apenas em palavras e rotina) a Nosso Senhor Jesus Cristo, amavam e desejavam verdadeiramente praticar a Sua Lei, e estavam convictos de sua missão de estender o domínio desta Lei até os últimos confins da terra;

b) - como fruto desta fé coerente e robusta reinava em todos os espíritos um mesmo modo de conceber o homem, a família, as relações sociais, a dor, a alegria, a glória, a humildade, a inocência, o pecado, a emenda, o perdão, a riqueza, o poder, a nobreza, a coragem, em uma palavra, a vida;

c) - daí, também, uma forte e substancial unidade de cultura e civilização, a despeito de variantes locais prodigiosamente ricas em cada nação, em cada região, e em cada feudo ou cidade;

d) - diante da dupla pressão dos sarracenos vindos da África, e dos pagãos vindos do Oriente da Europa, a idéia de um imenso risco comum, em que todos deviam auxiliar a todos, para uma vitória que seria de todos.

Todo este conjunto de fatores de unidade encontrou seu grande catalisador em Carlos Magno ( 742-814 ), que encarnou aos olhos de seus contemporâneos o tipo ideal do soberano cristão, forte, bravo, sábio, justiceiro e paternal, profundamente amante da paz, mas invencível na guerra, considerando sua mais alta missão pôr a força do Estado ao serviço da Igreja para manter a Lei de Cristo em seus reinos, e defender a Cristandade contra seus agressores. Este homem símbolo realizou seus ideais, e quando Leão III, no ano de 800, na Igreja de Latrão, o coroou Imperador Romano do Ocidente, deu o mais alto remate à obra que Carlos Magno estava levando a efeito: ficava constituído, abrangendo toda a Europa cristã, um grande Império, destinado antes de tudo a manter, a defender, a propagar a Fé.

Este Império durou de 809 a 911. Em 962, o Imperador Othão, o Grande o ressuscitou, dando origem ao Sacro Império Romano Alemão. Assim, com vicissitudes diversas, das quais a mais terrível foi a cisão trágica do protestantismo e a eclosão das tendências nacionalistas, no século XVI, manteve-se pelo menos teoricamente esta grande instituição até 1806, quando Napoleão Bonaparte obrigou Francisco II, o último Imperador Romano Alemão, a aceitar a extinção do Sacro Império, e a assumir o simples título de Imperador da Áustria com o nome de Francisco I.

Não obstante certos períodos de crise, o Sacro Império teve grandes eras de glória, e sua estrutura serviu de fato para exprimir o ideal cristão de uma grande família de povos, unida à sombra maternal da Igreja, para manter a paz, a Fé, a moral, para defender a Cristandade, e apoiar no mundo inteiro a livre pregação do Evangelho.

Fonte: "A Federação Européia à luz da Doutrina Católica", Catolicismo, nº 14, fevereiro de 1952

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostaria de saber de que fonte se auferiu a expressão "Romano Alemão" para designar o Sacro Império. Obrigado.

J. Sepúlveda disse...

A partir do século XV o Sacro Império Romano passa a chamar-se Sacro Império Romano-Germânico, ou Romano Alemão.