Sou tomista convicto. O aspecto da Filosofia pelo qual mais me interesso é a Filosofia da História. Em função deste encontro o ponto de junção entre os dois gêneros de atividade em que me venho dividindo ao longo de minha vida: o estudo e a ação. O ensaio em que condenso o essencial de meu pensamento explica o sentido de minha atuação ideológica. Trata-se do livro Revolução e Contra-Revolução.

21 de fevereiro de 2018

Mais do que Mamon, é o pensamento que conduz os homens

Quem concebe um país unicamente como um conjunto de classes profissionais, e nada mais, pensa que viver é só trabalhar. Ora, tal pensamento, em lugar de ser uma verdade óbvia, é um erro para além de óbvio. Se o homem trabalha, é para um fim. Que fim é esse? Depende da idéia que ele tenha formado do que seja esta vida. Como o trabalho é mero meio para alcançar este fim, ele vale menos do que esse fim. Pensar, e por meio do pensamento conquistar a Verdade, amá-LA, servi-LA, eis o grande fim da vida.

A Verdade? Sim, e com "V" maiúsculo. A Verdade, personificada naquele que disse de Si: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo. 14,6).

Uma concepção a-filosófica e a-religiosa da sociedade, meramente econômica e profissionalista, dá origem ao grande desespero das multidões contemporâneas. Ontem estas se esbaldavam para fazer capital, hoje para fazer revolução, e já amanhã para se atirarem no bueiro do miserabilismo niilista, isto é, na glorificação do andrajo e da miséria, da sujeira, do desmazelo e do caos.

Queira-se ou não, mais do que Mamon, é o pensamento que conduz os homens.

Assim, é necessário não só que as profissões se organizem, mas também que surjam opiniões (fagulhas de pensamento a chispear no ambiente hoje tão analfabetizado e pornografizado da vida social). E que essas opiniões se organizem. Que reunam em vastas associações, das mais diversas naturezas, todos os homens para quem pensar ainda é algo. E que estas associações façam sentir ainda sua presença colaborante, estimulante, mas também vigilante (...). Sou contra o livre-pensamento. Mas também contra o não-pensamento.

* * *

À vista disto, alguns leitores terão sentido um desabafo. Pois o pensamento vivo é abafado aí por fora. Outros, habituados tão-só a acumular dinheiro ou a articular revoluções, terão pensado que me pus de repente a sonhar. E de um sonho incômodo. Pois sonhar sobre o pensamento incomoda a quem, em matéria de brilho, só conhece o do ouro. E em matéria de luz, só conhece a do fogo, com o qual se preparam os incêndios sociais.

Mas é assim mesmo.

Eliminado da vida pública ou da vida social o fator pensamento, qual é o tipo de ordem que querem, para as democracias recém-erectas, os homens que aí estão? A ordem de um curral, onde há ração e tranqüilidade para que o Estado exerça sempre mais amplamente sua ação ordenhativa?

O sistema democrático que a abertura trouxe para o Brasil, se dá a cada homem o direito e o dever de votar, lhe impõe também a obrigação de pensar. E quando o homem pensa, necessariamente fala do que pensa. A obrigação de falar sobre temas do interesse público, até nos atos da vida privada, daí decorre. Se todos os que se reúnem em torno da mesa doméstica não conversam com freqüência sobre política (e portanto sobre religião, cultura, arte), as famílias não pensam. E quando as famílias não pensam, não educam. Só votam quando obrigadas, e jogam dentro da urna um papel com qualquer nome, nome-anedota, nome-pilhéria, conforme o caso até nome-blasfêmia.

Mas isto já não é democracia, nem sequer curral. É outra coisa: é o triste campo de concentração, a mando dos ladrões de pensamento.

Quem são estes? Os que, à força de proclamar que só vale a economia, fazem com que o homem encontre repouso e entretenimento apenas na bagatela, na piada, na pornografia e na droga. Isto é, nas várias formas do contrapensamento.

Fonte: "O tufão do contrapensamento", Folha de S. Paulo, 11.02.1983

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