Sou tomista convicto. O aspecto da Filosofia pelo qual mais me interesso é a Filosofia da História. Em função deste encontro o ponto de junção entre os dois gêneros de atividade em que me venho dividindo ao longo de minha vida: o estudo e a ação. O ensaio em que condenso o essencial de meu pensamento explica o sentido de minha atuação ideológica. Trata-se do livro Revolução e Contra-Revolução.

15 de novembro de 2015

A tragédia de Paris

Depois da catástrofe, um grande e sombrio silêncio se fez sobre a capital francesa. E, no Brasil, inúmeros têm sido os corações que não pensam sem angústia e sem amargura no que poderá estar sucedendo nessa cidade à qual estão tão vinculados os afetos brasileiros. (...)

Não é este o lugar nem o momento de se tentar um processo contra a cultura francesa. É certo que da França nos têm vindo muitas sementes de corrupção e de impiedade. Seja-nos lícito, entretanto, [ressaltar que] a França do século XIX, por exemplo, não produziu apenas um monstro como Gambetta, um ímpio como Renan, ou atrizes levianas como as que, nas “boites” de Montmartre, escandalizavam os viajantes do mundo inteiro. Produziu ela também um Luiz Veillot, um Ozanam, um Montalembert, um Lacordaire, e uma rosa de pureza e de candura como Santa Terezinha do Menino Jesus. Se a humanidade inteira, em lugar de se abeberar nas fontes de talento e de santidade que nunca se estancaram em terras de França, se ia dessedentar nos antros da corrupção ou nas obras dos apóstatas, de quem a culpa? Só da França? (...)

* * *

Tudo isto posto, é bem de se ver que Paris cometeu graves pecados e sofre imensos castigos. A capital da França, da filha primogênita da Igreja, foi durante muito tempo autora de escândalos sem fim. Ela se circundou de luzes, e foi chamada a Cidade-Luz. Ela se encheu de alegrias profanas, e foi chamada metrópole mundial da alegria. Em seus museus, em seus cenáculos intelectuais, em suas galerias artísticas, ela não cultuou somente a verdade, a beleza, e o bem, mas pôs seu talento ao serviço do erro, do mal e da ignomínia. Por isto mesmo, baixou sobre ela uma catástrofe apocalíptica. Apagaram-se as luzes da Cidade-Luz. Silenciaram os cânticos joviais de seu povo sempre alegre. (...) A ruína em que está Paris lembra, ponto por ponto, as grandes desgraças que, na narração do Antigo Testamento, se abatiam sobre Jerusalém quando ela violava seus deveres.

À cabeceira dessa grande agonia, quantos profetas se têm acumulado! Na sua maioria são profetas que afetam os sentimentos de dor de Jeremias apenas para poder mais facilmente recriminar a França (...). É o lobo assumindo ares de ovelha...

Não será essa nossa atitude. Reconhecendo embora, com a tristeza com que os profetas reconheciam a culpabilidade de Jerusalém, que Paris está muito longe de ser uma cidade inocente, é com o coração pesado de amarguras, que comentamos a desgraça em que caiu. Com efeito, tinha Paris uma missão histórica na Cristandade. E sua ruína deve por nós ser chorada como os profetas choravam a ruína de Jerusalém, deixando transparecer através do pranto as esperanças e o desejo de uma ressurreição.

Se a desgraça de Paris foi merecida, adoremos e beijemos a Mão Divina que permitiu a punição. Nem por isso, entretanto, desculpemos aqueles a quem tão grande desgraça se deve. Crer nos desígnios da Providência não é, por certo, justificar, desculpar, ou ao menos atenuar toda a gravidade da infração que a desgraça de Paris representa quanto às leis da moral internacional.

* * *

A que está reduzida essa grande e tão querida cidade, essa cidade tão maior quanto mais está prostrada sob os golpes purificadores do sofrimento? Quem não vê aí a enormidade do castigo? (...)

Mas se Deus pune assim essa cidade, que punição há, com isto, para toda a Cristandade! A antiga capital dos Reis Cristianíssimos, hoje tomada pelas tropas do neo-paganismo! Do alto do céu, que dirão São Luiz e Santa Joana d'Arc?

Nessa hora de desgraça, não amaldiçoemos Paris, não batamos palmas aos que a oprimem, não nos acumpliciemos com os que a desolam. Rezemos por Paris. Se das cinzas dessa terrível penitência renascer uma cidade convertida, que mais podemos desejar para a França, que é e será sempre a Primogênita da Igreja?

Fonte: "A tragédia de Paris", Legionário, nº 479, 16.11.1941

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