Há muito tempo, muitíssimo até, tenho acerca do desenvolvimento de nosso País uma impressão a comunicar.
"Desenvolvimento" é um termo tomado aqui num sentido que tem parentesco apenas longínquo com o que habitualmente se entende por tal. Não falo do desenvolvimento econômico-financeiro. Este é o sentido ápice – e não raras vezes até único – que se atribui ao vocábulo em nossos dias empapados de hedonismo burguês e de materialismo comunista.
Na perspectiva em que me coloco, tal forma de desenvolvimento tem seu lugar. Este não é, entretanto, o ápice. Pela simples razão de que o homem não é principalmente estômago. O desenvolvimento-ápice não consiste pois na promoção das coisas do corpo, do "irmão corpo", segundo a linguagem franciscana. Consiste, isto sim, no desenvolvimento do homem todo, postos na devida hierarquia os vários elementos deste todo. E, assim, a alma em primeiro lugar. Entre as coisas da alma, quero destacar aqui uma das mais nobres, isto é, a aptidão de relacionar as coisas da matéria com as do espírito, e umas e outras com Deus.
Todo o universo foi criado à imagem e semelhança de Deus. De onde existirem analogias entre todas as criaturas. Pois seres análogos a um terceiro são, por isto mesmo, análogos entre si. Daí as coisas materiais terem o poder de exprimir as espirituais. E um dos usos mais nobres que se possa fazer de cada uma, e de todas no conjunto, consiste em lhes conhecer essa expressão espiritual. Através dessa expressão, a inteligência conhece melhor as coisas do espírito. Serventia excelsa que tem a matéria até para os bem-aventurados após a ressurreição, quando entretanto verão Deus face a face.
Uma pessoa penetrada destas grandes verdades, e habituada a fazer do relacionamento matéria-alma-Deus uma atividade-réctrix de seu espírito, pode desta maneira chegar ao ápice de sua personalidade. Ou seja, atingiu o desenvolvimento ordenado e inteiro de seu próprio eu. Seu desenvolvimento-ápice.
Essas verdades, precisamente porque muito abstratas, têm contudo relação com o que há de mais profundo e decisivo na realidade concreta. Assim é fator da grandeza, do bem-estar e da "force de frappe" de um país o relacionamento íntimo entre os recursos naturais e a paisagem do território, de um lado, com as características do espírito nacional, de outro lado, a ponto de o observador notar afinidades entre a configuração dos montes, o curso e o rumorejar dos rios, as mil cores e formas da vegetação, os perfumes das flores, os sabores da culinária local, as harmonias das músicas e das danças populares, das formas e das cores dos trajes típicos – com o espírito da população, por exemplo com o estilo dos gracejos e das brigas das crianças, dos feitos dos homens maduros e da experimentada sabedoria dos anciãos. Tudo isto forma um emaranhado de elementos que se entrelaçam por mil afinidades indissociáveis. E é a diferença entre estes – mais até do que os limites territoriais – que distingue as nações. Que diferença entre a França e a Alemanha, por exemplo! Salta aos olhos que cada uma dessas nações forma com o respectivo "emaranhado" um só todo. Não se pode conceber uma França habitada só por alemães, nem uma Alemanha habitada só por franceses.
A tradição clássica, e mais tarde a influência profunda da Igreja, ensinou esses homens a "serem" muito mais alma do que corpo, a procurarem nas coisas da matéria analogias e ensinamentos supremos sobre a alma e sobre Deus. Daí essa admirável consonância entre o corpo e a alma dos grandes povos. Assim, tais povos foram conduzidos, numa imensa ação conjunta, a interpretarem o respectivo quadro material, encontrando nele mil afinidades com suas próprias almas. Afinidades estas que a cultura acentuou e pôs em relevo.
Tenho a impressão de que, dentro da tormenta contemporânea, a maioria dos homens, descaracterizados, massificados pela civilização moderna, mecânica e cosmopolita, já não sabe sentir os significados espirituais e "divinos" das coisas. Nem perceber os vínculos que os ligam entre si, nem às paisagens em que nasceram. E em países novos como o nosso, a interpretação simbólica dos panoramas, da flora, da fauna, o saboreio ou olfatação dos produtos da terra, a audição de seus ruídos ou dos cânticos da natureza, tudo se reduz, para muitos dentre nós, às vagas recordações de infância que o progresso esmagou já na adolescência por meio do rolo-compressor do "senso prático".
Fonte: "Reflexões sobre um café", Folha de S. Paulo, 20.07.1979
Sou tomista convicto. O aspecto da Filosofia pelo qual mais me interesso é a Filosofia da História. Em função deste encontro o ponto de junção entre os dois gêneros de atividade em que me venho dividindo ao longo de minha vida: o estudo e a ação. O ensaio em que condenso o essencial de meu pensamento explica o sentido de minha atuação ideológica. Trata-se do livro Revolução e Contra-Revolução.
9 de setembro de 2015
23 de agosto de 2015
Democracia-com-idéias no Brasil-Império e no Brasil-República
[Há mais de 125 anos se deu] a proclamação da República em nosso País. Manda porém a verdade que se reconheça não ter o regime republicano, nestes [mais de] cem anos de vigência, conseguido formar, nas camadas profundas do País, um conjunto de hábitos intelectuais e morais, bem como de instituições partidárias, culturais, e outras, que criassem entre nós um ambiente cívico-político denso de cogitações patrióticas, quer filosóficas, religiosas e culturais, como também políticas, econômicas, sócio-políticas e sócio-econômicas, voltadas para os grandes problemas do mundo contemporâneo, bem como para as realidades concretas do País.
Cumpre confessar – sem qualquer eiva de partidarismo – que o ambiente político do Brasil-Império apresentava, a esse respeito, maior riqueza de conteúdo intelectual. Questões como a libertação dos escravos, ou a alternativa monarquia-república, interessavam muito mais ao quadro eleitoral, nos dias remotos do Brasil-Império, do que a Reforma Agrária, a Urbana e a Empresarial vão interessando a massa da população nas grandes cidades do País.
O Brasil-Império foi muito mais autenticamente uma democracia-com-idéias, do que o é, ao cabo de [mais de] cem anos, o Brasil-República.
Daí decorre que, sendo hoje tão desinformada e amorfa a opinião pública de vastíssimos setores da população, os grandes órgãos do macrocapitalismo publicitário tenham receio de não atrair a atenção pública, empenhando-se por conferir ao debate pré-eleitoral uma elevação de ideias e uma profunda objetividade de informações que, em rigor, os exporiam ao risco de parecerem monótonos para grande parte dos leitores, rádio-ouvintes e telespectadores na democracia-sem idéias.
Por sua vez, nas últimas eleições, os candidatos eram representativos, em grande parte, das mass-sem-idéias. E em geral não haviam se destacado, em suas atividades cívicas ou políticas anteriores, por qualquer pronunciamento em que as idéias ou os fatos de interesse público, analisados a fundo, desempenhassem papel de relevo.
Esse gênero de candidatos, aliás, não causa estranheza nas fileiras de nossos tão numerosos políticos-profissionais.
Não dispondo de tempo suficiente para estudar e refletir, o político-profissional se vê coagido a evitar quanto possível pronunciamentos que o comprometam com grandes e complexos temas, como por exemplo as três aludidas Reformas, Agrária, Urbana e Empresarial. Temas esses que ele sabe conhece insuficientemente. E acerca dos quais ignora que efeito produziria seu pronunciamento, sobre uma opinião urbana ou rural tão alheia ao conteúdo de qualquer dessas Reformas, e aos critérios segundo os quais elas devem ser encaradas.
Fonte: Projeto de Constituição angustia o País, 1987, pp. 25-26
Cumpre confessar – sem qualquer eiva de partidarismo – que o ambiente político do Brasil-Império apresentava, a esse respeito, maior riqueza de conteúdo intelectual. Questões como a libertação dos escravos, ou a alternativa monarquia-república, interessavam muito mais ao quadro eleitoral, nos dias remotos do Brasil-Império, do que a Reforma Agrária, a Urbana e a Empresarial vão interessando a massa da população nas grandes cidades do País.
O Brasil-Império foi muito mais autenticamente uma democracia-com-idéias, do que o é, ao cabo de [mais de] cem anos, o Brasil-República.
Daí decorre que, sendo hoje tão desinformada e amorfa a opinião pública de vastíssimos setores da população, os grandes órgãos do macrocapitalismo publicitário tenham receio de não atrair a atenção pública, empenhando-se por conferir ao debate pré-eleitoral uma elevação de ideias e uma profunda objetividade de informações que, em rigor, os exporiam ao risco de parecerem monótonos para grande parte dos leitores, rádio-ouvintes e telespectadores na democracia-sem idéias.
Por sua vez, nas últimas eleições, os candidatos eram representativos, em grande parte, das mass-sem-idéias. E em geral não haviam se destacado, em suas atividades cívicas ou políticas anteriores, por qualquer pronunciamento em que as idéias ou os fatos de interesse público, analisados a fundo, desempenhassem papel de relevo.
Esse gênero de candidatos, aliás, não causa estranheza nas fileiras de nossos tão numerosos políticos-profissionais.
Não dispondo de tempo suficiente para estudar e refletir, o político-profissional se vê coagido a evitar quanto possível pronunciamentos que o comprometam com grandes e complexos temas, como por exemplo as três aludidas Reformas, Agrária, Urbana e Empresarial. Temas esses que ele sabe conhece insuficientemente. E acerca dos quais ignora que efeito produziria seu pronunciamento, sobre uma opinião urbana ou rural tão alheia ao conteúdo de qualquer dessas Reformas, e aos critérios segundo os quais elas devem ser encaradas.
Fonte: Projeto de Constituição angustia o País, 1987, pp. 25-26
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4 de agosto de 2015
O Nazismo, o Comunismo e os católicos transviados pela confusão
Em 1918 o sopro de espírito revolucionário varreu a Europa com singular violência. Deu-se o imenso estrondo do desabamento do czarismo, e se implantou o comunismo na Rússia. Toda a vida intelectual e social se secionou ainda mais do passado. No ocidente, a hegemonia começou a se deslocar cada vez mais, da Europa tradicional para os Estados Unidos niveladores.
Em meio de todo esse desabamento, que evidenciava cada vez mais o próximo término da civilização cristã como tal, uma salutar reação se produziu. Muitos espíritos percebiam por fim para que abismos caminhava o mundo, e quais os guias que o levavam para o abismo. Como escreveu Pio XI, um sopro universal do Espírito Santo orientava para a igreja os espíritos transviados. Em plena hecatombe da civilização cristã, a Igreja de Deus começava a florir novamente, produzindo rebentos que atestavam iniludivelmente sua eterna pujança. O movimento católico se organizava por toda a Europa. Eram legiões os moços que, desgostosos do curso das coisas, abriam os olhos para a Verdade Revelada, e almejavam de todo coração o triunfo da civilização cristã. As obras sociais católicas, a imprensa católica, o rádio católico, a ação política dos católicos triunfavam por toda parte. Assim, na Alemanha, na Áustria, na Espanha, na Itália, na França, no Brasil, na Holanda, na Bélgica, os êxitos eleitorais dos católicos eram cada vez mais estrondosos. E quanto mais crescia o perigo comunista, tanto mais se acendia o ardor da reação católica. A certas almas, Deus atrai ao Céu fazendo—lhes ver o inferno. Foi desta terapêutica que Ele se serviu com o mundo ocidental, permitindo que se lhe patenteasse em toda a hediondez a figura dos tormentos em que o comunismo mantinha a Rússia, o México e mais tarde a Espanha. Não há tormento maior do que esse de um povo a que se arranco dia a dia uma tradição, um hábito, um símbolo. É um esquartejamento terrível da alma, a que estavam expostos a pouco e pouco todos os povos cristãos.
Sempre que o demônio está na iminência de perder uma partida, sua grande arma é a confusão. Utilizou-a ainda desta vez. A História talvez diga, algum dia, em que antros o plano tenebroso se forjou. Mas o fato é que para atender aos anseios das massas sedentas de civilização cristã, apareceu na Alemanha um partido, logo copiado em outros lugares, que se propunha a implantar um novo mundo cristão. À primeira vista, nada mais simpático do que o nazismo, movimento místico-heróico, propugnador das tradições da Alemanha cristã e medieval, contra a dissolução demagógica e corruptora da propaganda bolchevista.
Os termos meramente negativos da doutrina nacional-socialista correspondiam em vários pontos ao que sentia de mais vivo a consciência cristã, indignada com o enfraquecimento do princípio de autoridade, da ordem, da moral e do direito.
Mas se se atentasse para o lado positivo dessa ideologia, lado que só aos poucos a maquiavélica propaganda parda revelava aos “iniciados”, que terrível decepção! Ideologia confusa, impregnada de evolucionismo e materialismo histórico, saturada de influências filosóficas e teológicas pagãs, programa político e econômico radical e caracteristicamente socialista, intoleráveis preconceitos racistas. Em uma palavra, por detrás dos bramidos anticomunistas do nazismo, era o próprio comunismo que se pretendia instaurar. Um comunismo ardiloso, de máscara cristã. Um comunismo mil vezes pior, porque mobilizava contra a Igreja as armas satânicas da astúcia, em lugar das armas impotentes da força bruta. Um comunismo que começava por empolgar os espíritos por algumas verdades, punha-os em delírio sob pretexto de entusiasmo por essas verdades, e os atirava em seguida aos erros mais terríveis. Um comunismo, portanto, que significava, não a obliteração dos maus, mas dos bons, a mais terrível máquina de perdição e de mistificação que o demônio tenha engendrado ao longo da História.
Tal é o peso da verdade, tão duro é o fardo do bem, que infelizmente muitos espíritos, embora sinceramente católicos, se deixaram transviar pela manobra. Não tinham aquela fome e sede de justiça, que é a raiz da santa intransigência. Não tinham aquele apetite de Catolicismo pleno, que os faria rejeitar como elemento impuro qualquer liga com os fermentos do século. As coisas muito acentuadamente católicas, declaradamente católicas, exclusivamente católicas, lhes pesavam como o sol fere a vista das aves noturnas. Preferiam as formas pálidas, diluídas, indiretas, de irradiação católica, como os mochos preferem a luz da lua. E se entregaram de corpo e alma a essas tendências de caráter nitidamente anticatólico. Na Itália, como na Alemanha, como em outros lugares, uma coorte de ingênuos, de desavisados, de pessoas entretanto bem intencionadas, se deixou embair e arrastar de roldão com facínoras e aventureiros de toda sorte. E só Deus sabe com que furor, com que iracúndia, com que abundância de ameaças se atiravam contra os irmãos de crença que se permitiam o luxo de ser mais penetrantes, mais perspicazes, mais enérgicos na defesa da Fé.
Fonte: "A grande experiência de dez anos de luta", Catolicismo nº 173, maio de 1965
Em meio de todo esse desabamento, que evidenciava cada vez mais o próximo término da civilização cristã como tal, uma salutar reação se produziu. Muitos espíritos percebiam por fim para que abismos caminhava o mundo, e quais os guias que o levavam para o abismo. Como escreveu Pio XI, um sopro universal do Espírito Santo orientava para a igreja os espíritos transviados. Em plena hecatombe da civilização cristã, a Igreja de Deus começava a florir novamente, produzindo rebentos que atestavam iniludivelmente sua eterna pujança. O movimento católico se organizava por toda a Europa. Eram legiões os moços que, desgostosos do curso das coisas, abriam os olhos para a Verdade Revelada, e almejavam de todo coração o triunfo da civilização cristã. As obras sociais católicas, a imprensa católica, o rádio católico, a ação política dos católicos triunfavam por toda parte. Assim, na Alemanha, na Áustria, na Espanha, na Itália, na França, no Brasil, na Holanda, na Bélgica, os êxitos eleitorais dos católicos eram cada vez mais estrondosos. E quanto mais crescia o perigo comunista, tanto mais se acendia o ardor da reação católica. A certas almas, Deus atrai ao Céu fazendo—lhes ver o inferno. Foi desta terapêutica que Ele se serviu com o mundo ocidental, permitindo que se lhe patenteasse em toda a hediondez a figura dos tormentos em que o comunismo mantinha a Rússia, o México e mais tarde a Espanha. Não há tormento maior do que esse de um povo a que se arranco dia a dia uma tradição, um hábito, um símbolo. É um esquartejamento terrível da alma, a que estavam expostos a pouco e pouco todos os povos cristãos.
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Sempre que o demônio está na iminência de perder uma partida, sua grande arma é a confusão. Utilizou-a ainda desta vez. A História talvez diga, algum dia, em que antros o plano tenebroso se forjou. Mas o fato é que para atender aos anseios das massas sedentas de civilização cristã, apareceu na Alemanha um partido, logo copiado em outros lugares, que se propunha a implantar um novo mundo cristão. À primeira vista, nada mais simpático do que o nazismo, movimento místico-heróico, propugnador das tradições da Alemanha cristã e medieval, contra a dissolução demagógica e corruptora da propaganda bolchevista.
Os termos meramente negativos da doutrina nacional-socialista correspondiam em vários pontos ao que sentia de mais vivo a consciência cristã, indignada com o enfraquecimento do princípio de autoridade, da ordem, da moral e do direito.
Mas se se atentasse para o lado positivo dessa ideologia, lado que só aos poucos a maquiavélica propaganda parda revelava aos “iniciados”, que terrível decepção! Ideologia confusa, impregnada de evolucionismo e materialismo histórico, saturada de influências filosóficas e teológicas pagãs, programa político e econômico radical e caracteristicamente socialista, intoleráveis preconceitos racistas. Em uma palavra, por detrás dos bramidos anticomunistas do nazismo, era o próprio comunismo que se pretendia instaurar. Um comunismo ardiloso, de máscara cristã. Um comunismo mil vezes pior, porque mobilizava contra a Igreja as armas satânicas da astúcia, em lugar das armas impotentes da força bruta. Um comunismo que começava por empolgar os espíritos por algumas verdades, punha-os em delírio sob pretexto de entusiasmo por essas verdades, e os atirava em seguida aos erros mais terríveis. Um comunismo, portanto, que significava, não a obliteração dos maus, mas dos bons, a mais terrível máquina de perdição e de mistificação que o demônio tenha engendrado ao longo da História.
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Tal é o peso da verdade, tão duro é o fardo do bem, que infelizmente muitos espíritos, embora sinceramente católicos, se deixaram transviar pela manobra. Não tinham aquela fome e sede de justiça, que é a raiz da santa intransigência. Não tinham aquele apetite de Catolicismo pleno, que os faria rejeitar como elemento impuro qualquer liga com os fermentos do século. As coisas muito acentuadamente católicas, declaradamente católicas, exclusivamente católicas, lhes pesavam como o sol fere a vista das aves noturnas. Preferiam as formas pálidas, diluídas, indiretas, de irradiação católica, como os mochos preferem a luz da lua. E se entregaram de corpo e alma a essas tendências de caráter nitidamente anticatólico. Na Itália, como na Alemanha, como em outros lugares, uma coorte de ingênuos, de desavisados, de pessoas entretanto bem intencionadas, se deixou embair e arrastar de roldão com facínoras e aventureiros de toda sorte. E só Deus sabe com que furor, com que iracúndia, com que abundância de ameaças se atiravam contra os irmãos de crença que se permitiam o luxo de ser mais penetrantes, mais perspicazes, mais enérgicos na defesa da Fé.
Fonte: "A grande experiência de dez anos de luta", Catolicismo nº 173, maio de 1965
17 de julho de 2015
O aquário, a insensibilidade e o imediatismo dos "peixes" hodiernos
Visitando certa vez um aquário, no qual cada peixe ocupava um compartimento próprio, chamou-me a atenção a sensibilidade de alguns deles a tudo quanto encontrassem na sua incessante e ociosa caminhada dentro do respectivo espaço líquido: o contato com qualquer pontinho de vegetação, com qualquer pedacinho de arame e até com qualquer bolha de ar repercutia desde logo na escolha do rumo, e na conseqüente movimentação do corpo do animal.
Veio-me então a curiosidade de saber como essa sensibilidade reagiria com relação ao que acontecesse para além da placa de vidro, que ocupava toda uma das paredes do aquário, e facultava aos visitantes a observação dos peixes. Oh desilusão! Estes últimos chegavam literalmente a encostar a boca – e quase o mesmo se diria, também, do olho – na placa de vidro. Mas tudo quanto se passasse para além dessa deixava o peixe insensível: mão encostada no vidro, gesticulação com os dedos, percussão na chapa, nada disso lhe causava a menor sensação. O mundo podia ruir fora do aquário sem que o peixe desse importância ao fato, desde que dentro do seu pequeno mundo líquido nada sucedesse.
Penso nesses peixes quando considero a atitude de alguns de meus contemporâneos – e não poucos – ao receberem, pela televisão, pelo rádio ou pela imprensa, notícias e comentários sobre o mundo hodierno. Com crescente freqüência, tratam eles de catástrofes individuais, locais, ou mesmo nacionais. Por vezes vem à baila a destruição do mundo pela hecatombe nuclear. A pessoa atingida por essas notícias se mantém indiferente, desde que de imediato elas não acarretem repercussões no alvéolo da vidinha particular de cada qual.
Sintomas de corrupção espantosos, contradições aberrantes, vertiginosos indícios de desequilíbrio psíquico de grupos sociais inteiros, nada disto importa, desde que a vidinha de cada qual continue inalterada por mais alguns dias. Ou melhor, por mais algumas horas.
Essa atitude me desconcerta. E assim como me vinha, ante o aquário, a vontade, felizmente dominada, de praticar um orifício no vidro, meter através dele meu dedo indicador, e tocar no peixe para lhe fazer sentir ao vivo a realidade desse mundo externo em que eu estava, e que ele, com tão ininteligente desdém, ignorava, assim também tenho a vontade de furar não sei que "vidros" atrás dos quais vivem indiferentes ao mundo externo, e encaixados exclusivamente em seu mundo específico, alguns "peixes" do mundo hodierno.
Fonte: "Provas... ora, as provas", Folha de S. Paulo, 30.09.1982
Veio-me então a curiosidade de saber como essa sensibilidade reagiria com relação ao que acontecesse para além da placa de vidro, que ocupava toda uma das paredes do aquário, e facultava aos visitantes a observação dos peixes. Oh desilusão! Estes últimos chegavam literalmente a encostar a boca – e quase o mesmo se diria, também, do olho – na placa de vidro. Mas tudo quanto se passasse para além dessa deixava o peixe insensível: mão encostada no vidro, gesticulação com os dedos, percussão na chapa, nada disso lhe causava a menor sensação. O mundo podia ruir fora do aquário sem que o peixe desse importância ao fato, desde que dentro do seu pequeno mundo líquido nada sucedesse.
Penso nesses peixes quando considero a atitude de alguns de meus contemporâneos – e não poucos – ao receberem, pela televisão, pelo rádio ou pela imprensa, notícias e comentários sobre o mundo hodierno. Com crescente freqüência, tratam eles de catástrofes individuais, locais, ou mesmo nacionais. Por vezes vem à baila a destruição do mundo pela hecatombe nuclear. A pessoa atingida por essas notícias se mantém indiferente, desde que de imediato elas não acarretem repercussões no alvéolo da vidinha particular de cada qual.
Sintomas de corrupção espantosos, contradições aberrantes, vertiginosos indícios de desequilíbrio psíquico de grupos sociais inteiros, nada disto importa, desde que a vidinha de cada qual continue inalterada por mais alguns dias. Ou melhor, por mais algumas horas.
Essa atitude me desconcerta. E assim como me vinha, ante o aquário, a vontade, felizmente dominada, de praticar um orifício no vidro, meter através dele meu dedo indicador, e tocar no peixe para lhe fazer sentir ao vivo a realidade desse mundo externo em que eu estava, e que ele, com tão ininteligente desdém, ignorava, assim também tenho a vontade de furar não sei que "vidros" atrás dos quais vivem indiferentes ao mundo externo, e encaixados exclusivamente em seu mundo específico, alguns "peixes" do mundo hodierno.
Fonte: "Provas... ora, as provas", Folha de S. Paulo, 30.09.1982
5 de julho de 2015
O erro dos católicos que deformam as palavras do Divino Mestre perante Pilatos
"Não queremos que Ele reine sobre nós!" "Não temos outro rei senão César!" Eis os termos pelos quais os judeus repudiaram a Realeza de Nosso Divino Salvador. E eis os termos segundo os quais ainda hoje se desenrola a luta: "O inimigo é o paganismo da vida moderna, as armas são a propaganda e o esclarecimento dos documentos pontifícios. O tempo da batalha é o momento atual. O campo de batalha é a oposição entre a razão e a sensualidade, entre os caprichos idolátricos da fantasia e a verdadeira revelação de Deus, entre Nero e Pedro, entre Cristo e Pilatos. A luta não é nova; é novo, somente, o tempo em que ela se desenrola" (Cardeal Pacelli em discurso ao Congresso dos Jornalistas Católicos).
Mas não são inimigos da realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo somente os que se confessam frontalmente contrários ao Seu plano de Redenção. Fazem coro veladamente com essas vozes ímpias e renegadas, aqueles próprios católicos que deformam as palavras do Divino Mestre perante Pilatos, quando declarou que Seu Reino não é deste mundo ( Jo. 18, 36 ), emprestando-lhes sentido restritivo, como se essa realeza fosse uma realeza exclusivamente espiritual, realeza sobre as almas, e não uma realeza social sobre os povos, sobre as nações, sobre os governos.
Quando Nosso Senhor diz que Seu Reino não é deste mundo, esclarece o Cardeal Pie, é para significar que não provém deste mundo, porque vem do céu, porque não pode ser arrebatado por nenhum poder humano. Não é um reino como os da terra, limitado, sujeito às vicissitudes das coisas deste mundo. Por outras palavras, a expressão "deste mundo" se prende à origem da Realeza Divina e não significa de maneira alguma que Jesus Cristo recuse à Sua Soberania um caráter de reino social. De outro modo, se não passasse da órbita estritamente espiritual ou da vida interna das almas, haveria flagrante contradição entre essa declaração de Nosso Senhor e, entre outras, aquela em que Ele diz claramente que "todo poder me foi dado no céu e na terra" ( Mat. 28, 18 ).
Fonte: "O direito moderno e a realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo", Catolicismo nº 22, Outubro de 1952
* * *
Mas não são inimigos da realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo somente os que se confessam frontalmente contrários ao Seu plano de Redenção. Fazem coro veladamente com essas vozes ímpias e renegadas, aqueles próprios católicos que deformam as palavras do Divino Mestre perante Pilatos, quando declarou que Seu Reino não é deste mundo ( Jo. 18, 36 ), emprestando-lhes sentido restritivo, como se essa realeza fosse uma realeza exclusivamente espiritual, realeza sobre as almas, e não uma realeza social sobre os povos, sobre as nações, sobre os governos.
Quando Nosso Senhor diz que Seu Reino não é deste mundo, esclarece o Cardeal Pie, é para significar que não provém deste mundo, porque vem do céu, porque não pode ser arrebatado por nenhum poder humano. Não é um reino como os da terra, limitado, sujeito às vicissitudes das coisas deste mundo. Por outras palavras, a expressão "deste mundo" se prende à origem da Realeza Divina e não significa de maneira alguma que Jesus Cristo recuse à Sua Soberania um caráter de reino social. De outro modo, se não passasse da órbita estritamente espiritual ou da vida interna das almas, haveria flagrante contradição entre essa declaração de Nosso Senhor e, entre outras, aquela em que Ele diz claramente que "todo poder me foi dado no céu e na terra" ( Mat. 28, 18 ).
Fonte: "O direito moderno e a realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo", Catolicismo nº 22, Outubro de 1952
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24 de junho de 2015
A voz de quem clama no deserto!
"Vox clamantis in deserto" (Mt. 3,3) – a voz de quem clama no deserto. Com essas belas e sonoras palavras do Batista gostavam de se qualificar os homens públicos do século XIX, ao constatarem que, ante seus brados de alerta, admoestações e conselhos, os acontecimentos não mudavam de curso.
Hoje como que não há mais desertos. Por todas as partes se encontram multidões formadas por homens incontáveis. Entre eles, porém, rareiam os verdadeiros homens, e, quando eles clamam, não o fazem na nobre e desolada solidão das vastidões inabitadas, porém na poluição dos ânimos, dos fatos e das coisas, imersos no caos, na zoeira, e no sono dos que já não agüentam....
Ainda que deva ser vista assim a situação dos brasileiros que persistem em convidar para a vigilância, para a reflexão e para a ação, a TFP, quanto a si, continua obstinadamente a falar. De imediato, porque ela bem sabe quantos são, em meio ao fog, os que pensam cabalmente como ela, e ademais os que, sensíveis pelo menos à voz dela, e com ela concordes nestes ou naqueles pontos, se sentem estimulados a reações esparsas mas saudáveis, porque da TFP ouviram, em alguma ocasião, uma palavra clara, forte e franca... com a qual são consonantes, ainda quando, por vezes, ela lhes pareça exagerada.
Fonte: "Ao término de décadas de luta, cordial alerta da TFP ao Centrão", Folha de S. Paulo, 28.04.1988
Hoje como que não há mais desertos. Por todas as partes se encontram multidões formadas por homens incontáveis. Entre eles, porém, rareiam os verdadeiros homens, e, quando eles clamam, não o fazem na nobre e desolada solidão das vastidões inabitadas, porém na poluição dos ânimos, dos fatos e das coisas, imersos no caos, na zoeira, e no sono dos que já não agüentam....
Ainda que deva ser vista assim a situação dos brasileiros que persistem em convidar para a vigilância, para a reflexão e para a ação, a TFP, quanto a si, continua obstinadamente a falar. De imediato, porque ela bem sabe quantos são, em meio ao fog, os que pensam cabalmente como ela, e ademais os que, sensíveis pelo menos à voz dela, e com ela concordes nestes ou naqueles pontos, se sentem estimulados a reações esparsas mas saudáveis, porque da TFP ouviram, em alguma ocasião, uma palavra clara, forte e franca... com a qual são consonantes, ainda quando, por vezes, ela lhes pareça exagerada.
Fonte: "Ao término de décadas de luta, cordial alerta da TFP ao Centrão", Folha de S. Paulo, 28.04.1988
17 de junho de 2015
Comunismo: ideologia rebarbativa e indigesta
Nunca será demasiado insistir sobre este ponto: o comunismo não corresponde aos anelos do homem contemporâneo; é ele uma ideologia rebarbativa e indigesta, que os maiores esforços propagandísticos não alcançam inculcar nas massas.
Sempre que a oportunidade se oferece, lembro este grande fato da atualidade. Não porque eu pretenda, com isto, demonstrar que a doutrina comunista é falsa, pois a simples rejeição de uma doutrina pela multidão não é critério para se julgar de seu acerto. É porque a fama de invencível constitui uma das melhores armas de propaganda do comunismo que insisto em lembrar as derrotas dele. Pois desejo, quanto em mim está, destruir esta arma, a qual não passa de blefe publicitário.
Mas, objetará talvez alguém, se eu me preocupo tanto com o comunismo, é evidentemente porque lhe temo o êxito. E se lhe temo o êxito, como afirmo ao mesmo tempo que ele não tem mostrado capacidade para persuadir as massas?
A resposta é simples. A História da humanidade em geral - e a do comunismo em particular - prova que minorias ideológicas bem organizadas podem subjugar, em dadas circunstâncias, e sem grande dificuldade, maiorias inertes, divididas, e minadas pelo derrotismo. Assim, desfazer os temores da maioria autêntica ante o poder de uma pseudo maioria é um dos melhores meios para evitar que esta chegue ao poder.
Fonte: "Comunismo, matrimônio e extermínio", Folha de S. Paulo, 28.05.1969
Sempre que a oportunidade se oferece, lembro este grande fato da atualidade. Não porque eu pretenda, com isto, demonstrar que a doutrina comunista é falsa, pois a simples rejeição de uma doutrina pela multidão não é critério para se julgar de seu acerto. É porque a fama de invencível constitui uma das melhores armas de propaganda do comunismo que insisto em lembrar as derrotas dele. Pois desejo, quanto em mim está, destruir esta arma, a qual não passa de blefe publicitário.
Mas, objetará talvez alguém, se eu me preocupo tanto com o comunismo, é evidentemente porque lhe temo o êxito. E se lhe temo o êxito, como afirmo ao mesmo tempo que ele não tem mostrado capacidade para persuadir as massas?
A resposta é simples. A História da humanidade em geral - e a do comunismo em particular - prova que minorias ideológicas bem organizadas podem subjugar, em dadas circunstâncias, e sem grande dificuldade, maiorias inertes, divididas, e minadas pelo derrotismo. Assim, desfazer os temores da maioria autêntica ante o poder de uma pseudo maioria é um dos melhores meios para evitar que esta chegue ao poder.
Fonte: "Comunismo, matrimônio e extermínio", Folha de S. Paulo, 28.05.1969
14 de junho de 2015
Jesus Cristo e sua Igreja serão sempre uma pedra de contradição entre os povos
Disse muito bem Santo Agostinho que a Igreja Católica não pede aos seus adversários outra coisa senão o direito de não ser julgada sem antes ser conhecida. Muitos espíritos superiores deduzem daí que se deve supor que todas as pessoas que condenam a Igreja, só o fazem porque não a conhecem. Esta afirmação, verdadeira em determinados casos particulares, se generalizada passa a ser absolutamente ridícula. Jesus Cristo e sua Igreja serão sempre uma pedra de contradição entre os povos, e o mesmo conhecimento exato do Catolicismo, que em muitos gera o amor, em outros causa ódio. Se a Igreja deseja sempre ser conhecida antes de julgada, fá-lo não só para evitar os efeitos da ignorância de alguns, mas ainda para que fique bem patente o cunho satânico do ódio de outros.
Assim, a franqueza apostólica foi sempre uma regra fundamental de todo proselitismo católico. Excetuadas certas situações especialíssimas, o interesse da Igreja consiste em fazer com que seus arautos a proclamem sem desfiguramentos, sem diluições, sem covardes adaptações ao espírito da época.
Se em todos os tempos esta foi a regra, hoje, mais do que nunca esta atitude se impõe. Ela já não constitui só um ato de elementar coerência com nossos princípios, mas uma medida de soberana sabedoria estratégica. Sabiam-no todos os maníacos de “adaptações ao sabor da época”: vivemos em uma era de radicalismo, e a adaptação de nossos processos de propaganda à época consiste em mostrar o Catolicismo em sua expressão mais radical, despido das sacrílegas maquillages com que muita gente gostaria de desfigurar a sua fisionomia.
Inspiram, pois, compaixão os espíritos insignificantes que julgam, à moda dos mais rançosos “católicões” do século passado, que o único meio de fazer circular as idéias católicas consiste em apresentá-las diluídas em dinamizações tanto melhores quanto mais tênues.
Fonte: "Arautos do Divino Rei", Legionário, nº 478, 9.11.1941
Assim, a franqueza apostólica foi sempre uma regra fundamental de todo proselitismo católico. Excetuadas certas situações especialíssimas, o interesse da Igreja consiste em fazer com que seus arautos a proclamem sem desfiguramentos, sem diluições, sem covardes adaptações ao espírito da época.
Se em todos os tempos esta foi a regra, hoje, mais do que nunca esta atitude se impõe. Ela já não constitui só um ato de elementar coerência com nossos princípios, mas uma medida de soberana sabedoria estratégica. Sabiam-no todos os maníacos de “adaptações ao sabor da época”: vivemos em uma era de radicalismo, e a adaptação de nossos processos de propaganda à época consiste em mostrar o Catolicismo em sua expressão mais radical, despido das sacrílegas maquillages com que muita gente gostaria de desfigurar a sua fisionomia.
Inspiram, pois, compaixão os espíritos insignificantes que julgam, à moda dos mais rançosos “católicões” do século passado, que o único meio de fazer circular as idéias católicas consiste em apresentá-las diluídas em dinamizações tanto melhores quanto mais tênues.
Fonte: "Arautos do Divino Rei", Legionário, nº 478, 9.11.1941
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12 de junho de 2015
Distinção harmônica entre Igreja e Estado
Um dos princípios fundamentais da Teologia e do Direito Canônico consiste na distinção harmônica entre a Igreja e o Estado.
Sendo o homem criatura de Deus, suas relações com o Criador são absolutamente fundamentais. Por isso, jamais pode o Estado legitimamente descurar da religião.
Antes de Jesus Cristo, a religião constituía um assunto de Estado, e havia uma como que fusão entre a autoridade civil e a religiosa. Com freqüência, chegava-se até a atribuir à dinastia reinante uma origem divina. Ou então se divinizavam os chefes de estado, ainda em vida ou depois de mortos. Por vezes, altas funções de Estado conferiam ipso facto atribuições sacerdotais a seus titulares. Nos países em que existia uma classe sacerdotal, os membros dela eram funcionários públicos direta ou indiretamente sujeitos ao chefe de Estado. De tal maneira a religião, a classe sacerdotal e o Estado se interpenetravam, que constituía crença geral haver em alguma região indefinida batalhas entre deuses de países inimigos, quando as tropas destes se entrechocavam na terra. A vitória ou derrota corriam por conta – pelo menos em parte – da força e da dedicação, ou então da fraqueza e da displicência dos deuses. Não raras vezes, em caso de derrota, estes eram “punidos” pelas multidões enfurecidas. Tais eram as aberrações da idolatria e da superstição.
Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu a Igreja com caráter diverso. Ele ensinou o culto a um Deus único, a ser igualmente adorado por todos os povos. A esse Deus único corresponde a existência de uma Igreja una, com um só chefe visível, o Papa, sediado em Roma. Com esta medida, Ele separou os dois poderes, porém, de maneira a que cooperassem intimamente, cada qual em sua esfera, para a glória de Deus e o bem comum dos povos.
O fim dessa Igreja universal é extra-terreno. Sua jurisdição é espiritual. Seu magistério também. Cabe-lhe ensinar e explanar a Revelação contida na Bíblia e na Tradição.
Segundo o disposto por Jesus Cristo, o Estado deve reconhecer a Igreja, respeitar-lhe os direitos originários da missão que seu Divino Fundador lhe deu, e apoiá-la com os meios de ação específicos dele, para que ela realize sua missão espiritual. Contudo, não toca ao Estado qualquer ingerência nos assuntos especificamente religiosos e eclesiásticos.
Mas, ainda segundo o que foi instituído por Jesus Cristo, também o Estado tem uma esfera de ação própria, e nesta não compete à Igreja o direito de imiscuir-se. Pelo contrário, deve a Igreja fazer quanto nela está para ajudar o Poder público temporal.
Com efeito, a cada Estado cabe promover o bem comum temporal (isto é, terreno) do respectivo povo. Assim, tudo quanto diz respeito à independência, prosperidade, bem-estar e progresso de um País está posto sob a ação legislativa, executiva e judiciária do Estado.
Exceto ratione peccati (isto é, quando algo na ordem civil viola a lei de Deus, como é o caso do divórcio, da limitação da natalidade, da laicidade escolar etc.) à Igreja não cabe imiscuir-se em assuntos temporais.
Como se vê, a boa harmonia dos poderes espiritual e temporal se baseia no respeito dessa delimitação de esferas por parte de cada um deles.
Fonte: Sou Católico: posso ser contra a Reforma Agrária?, 1981, pp. 67-68
Sendo o homem criatura de Deus, suas relações com o Criador são absolutamente fundamentais. Por isso, jamais pode o Estado legitimamente descurar da religião.
Antes de Jesus Cristo, a religião constituía um assunto de Estado, e havia uma como que fusão entre a autoridade civil e a religiosa. Com freqüência, chegava-se até a atribuir à dinastia reinante uma origem divina. Ou então se divinizavam os chefes de estado, ainda em vida ou depois de mortos. Por vezes, altas funções de Estado conferiam ipso facto atribuições sacerdotais a seus titulares. Nos países em que existia uma classe sacerdotal, os membros dela eram funcionários públicos direta ou indiretamente sujeitos ao chefe de Estado. De tal maneira a religião, a classe sacerdotal e o Estado se interpenetravam, que constituía crença geral haver em alguma região indefinida batalhas entre deuses de países inimigos, quando as tropas destes se entrechocavam na terra. A vitória ou derrota corriam por conta – pelo menos em parte – da força e da dedicação, ou então da fraqueza e da displicência dos deuses. Não raras vezes, em caso de derrota, estes eram “punidos” pelas multidões enfurecidas. Tais eram as aberrações da idolatria e da superstição.
Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu a Igreja com caráter diverso. Ele ensinou o culto a um Deus único, a ser igualmente adorado por todos os povos. A esse Deus único corresponde a existência de uma Igreja una, com um só chefe visível, o Papa, sediado em Roma. Com esta medida, Ele separou os dois poderes, porém, de maneira a que cooperassem intimamente, cada qual em sua esfera, para a glória de Deus e o bem comum dos povos.
O fim dessa Igreja universal é extra-terreno. Sua jurisdição é espiritual. Seu magistério também. Cabe-lhe ensinar e explanar a Revelação contida na Bíblia e na Tradição.
Segundo o disposto por Jesus Cristo, o Estado deve reconhecer a Igreja, respeitar-lhe os direitos originários da missão que seu Divino Fundador lhe deu, e apoiá-la com os meios de ação específicos dele, para que ela realize sua missão espiritual. Contudo, não toca ao Estado qualquer ingerência nos assuntos especificamente religiosos e eclesiásticos.
Mas, ainda segundo o que foi instituído por Jesus Cristo, também o Estado tem uma esfera de ação própria, e nesta não compete à Igreja o direito de imiscuir-se. Pelo contrário, deve a Igreja fazer quanto nela está para ajudar o Poder público temporal.
Com efeito, a cada Estado cabe promover o bem comum temporal (isto é, terreno) do respectivo povo. Assim, tudo quanto diz respeito à independência, prosperidade, bem-estar e progresso de um País está posto sob a ação legislativa, executiva e judiciária do Estado.
Exceto ratione peccati (isto é, quando algo na ordem civil viola a lei de Deus, como é o caso do divórcio, da limitação da natalidade, da laicidade escolar etc.) à Igreja não cabe imiscuir-se em assuntos temporais.
Como se vê, a boa harmonia dos poderes espiritual e temporal se baseia no respeito dessa delimitação de esferas por parte de cada um deles.
Fonte: Sou Católico: posso ser contra a Reforma Agrária?, 1981, pp. 67-68
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8 de junho de 2015
Esta é nossa finalidade, nosso grande ideal, a civilização católica
* Engana-se singularmente quem supuser que a ação da Igreja sobre os homens é meramente individual, e que ela forma pessoas, não povos, nem culturas, nem civilizações.
* Com efeito, Deus criou o homem naturalmente sociável, e quis que os homens, em sociedade, trabalhassem uns pela santificação dos outros. Por isto, também, criou-nos influenciáveis. Temos todos, pela própria pressão do instinto de sociabilidade, a tendência a comunicar em certa medida nossas idéias aos outros, e, em certa medida, em receber a influência deles. Isto se pode afirmar nas relações de indivíduo a indivíduo, e do indivíduo com a sociedade. Os ambientes, as leis, as Instituições em que vivemos exercem efeito sobre nós, têm sobre nós uma ação pedagógica.
* Resistir inteiramente a este ambiente, cuja ação ideológica nos penetra até por osmose e como que pela pele, é obra de alta e árdua virtude. E por isto os primitivos cristãos não foram mais admiráveis enfrentando as feras do Coliseu, do que mantendo íntegro seu espírito católico embora vivessem no seio de uma sociedade pagã.
Assim, a cultura e a civilização são fortíssimos meios para agir sobre as almas. Agir para a sua ruína, quando a cultura e a civilização são pagãs. Para a sua edificação e sua salvação, quando são católicas.
Como, pois, pode a Igreja desinteressar-se em produzir uma cultura e uma civilização, contentando-se em agir sobre cada alma a título meramente individual?
* Aliás, toda a alma sobre a qual a Igreja age, e que corresponde generosamente a tal ação, é como que um foco ou uma semente desta civilização, que ela expande ativa e energicamente em torno de si. A virtude transparece e contagia. Contagiando, propaga-se. Agindo e propagando-se tende a transformar-se em cultura e civilização católica.
* Como vemos, o próprio da Igreja é de produzir uma cultura e uma civilização cristã. É de produzir todos os seus frutos numa atmosfera social plenamente católica. O católico deve aspirar a uma civilização católica como o homem encarcerado num subterrâneo deseja o ar livre, e o pássaro aprisionado anseia por recuperar os espaços infinitos do Céu.
E é esta nossa finalidade, o nosso grande ideal. Caminhamos para a civilização católica que poderá nascer dos escombros do mundo de hoje, como dos escombros do mundo romano nasceu a civilização medieval. Caminhamos para a conquista deste ideal, com a coragem, a perseverança, a resolução de enfrentar e vencer todos os obstáculos, com que os cruzados marcharam para Jerusalém. Porque, se nossos maiores souberam morrer para reconquistar o sepulcro de Cristo, como não queremos nós – filhos da Igreja como eles – lutar e morrer para restaurar algo que vale infinitamente mais do que o preciosíssimo Sepulcro do Salvador, isto é, seu reinado sobre as almas e as sociedades, que Ele criou e salvou para O amarem eternamente?
Fonte: "A Cruzada do Século XX", nº 1, Janeiro 1951
* Com efeito, Deus criou o homem naturalmente sociável, e quis que os homens, em sociedade, trabalhassem uns pela santificação dos outros. Por isto, também, criou-nos influenciáveis. Temos todos, pela própria pressão do instinto de sociabilidade, a tendência a comunicar em certa medida nossas idéias aos outros, e, em certa medida, em receber a influência deles. Isto se pode afirmar nas relações de indivíduo a indivíduo, e do indivíduo com a sociedade. Os ambientes, as leis, as Instituições em que vivemos exercem efeito sobre nós, têm sobre nós uma ação pedagógica.
* Resistir inteiramente a este ambiente, cuja ação ideológica nos penetra até por osmose e como que pela pele, é obra de alta e árdua virtude. E por isto os primitivos cristãos não foram mais admiráveis enfrentando as feras do Coliseu, do que mantendo íntegro seu espírito católico embora vivessem no seio de uma sociedade pagã.
Assim, a cultura e a civilização são fortíssimos meios para agir sobre as almas. Agir para a sua ruína, quando a cultura e a civilização são pagãs. Para a sua edificação e sua salvação, quando são católicas.
Como, pois, pode a Igreja desinteressar-se em produzir uma cultura e uma civilização, contentando-se em agir sobre cada alma a título meramente individual?
* Aliás, toda a alma sobre a qual a Igreja age, e que corresponde generosamente a tal ação, é como que um foco ou uma semente desta civilização, que ela expande ativa e energicamente em torno de si. A virtude transparece e contagia. Contagiando, propaga-se. Agindo e propagando-se tende a transformar-se em cultura e civilização católica.
* Como vemos, o próprio da Igreja é de produzir uma cultura e uma civilização cristã. É de produzir todos os seus frutos numa atmosfera social plenamente católica. O católico deve aspirar a uma civilização católica como o homem encarcerado num subterrâneo deseja o ar livre, e o pássaro aprisionado anseia por recuperar os espaços infinitos do Céu.
E é esta nossa finalidade, o nosso grande ideal. Caminhamos para a civilização católica que poderá nascer dos escombros do mundo de hoje, como dos escombros do mundo romano nasceu a civilização medieval. Caminhamos para a conquista deste ideal, com a coragem, a perseverança, a resolução de enfrentar e vencer todos os obstáculos, com que os cruzados marcharam para Jerusalém. Porque, se nossos maiores souberam morrer para reconquistar o sepulcro de Cristo, como não queremos nós – filhos da Igreja como eles – lutar e morrer para restaurar algo que vale infinitamente mais do que o preciosíssimo Sepulcro do Salvador, isto é, seu reinado sobre as almas e as sociedades, que Ele criou e salvou para O amarem eternamente?
Fonte: "A Cruzada do Século XX", nº 1, Janeiro 1951
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